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MP 881 DA LIBERDADE ECONÔMICA E O REGIME DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

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MP 881 DA LIBERDADE ECONÔMICA E O REGIME DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Escrito por Dr. Francisco Cunha Souza Filho – OAB/PR 16.062

Recorrentes as críticas à Medida Provisória n. 881, sobretudo considerando que a utilização desse expediente para alterar o Código Civil, embora não seja algo propriamente inédito, é invariavelmente visto como temeridade a ser evitada.

Faremos um contraponto à maioria, no entanto, no que tange à desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Decorrente do sistema da Common Law[1], o regime da desconsideração visa, em apertada síntese, conceder ao credor um mecanismo contra o devedor que, intencionalmente, se utiliza da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e física para fraudar terceiros.

A aplicação do modelo no Brasil sofreu adaptações, sobretudo diante da predisposição já reinante de responsabilizar sócios e administradores por débitos da pessoa jurídica, em detrimento à autonomia patrimonial da sociedade. A separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios, no país, foi sendo assim gradativamente relativizada – quando não, negada, como referenciam precedentes vários no âmbito da Justiça do Trabalho.

Esse contexto em alguma medida distorcido, sob críticas variadas ao longo do tempo, resultou em frutos: o novo Código de Processo Civil a dispôs sobre a matéria em seus arts. 133 e seguintes, sobretudo restaurando a necessária garantia do contraditório aos eventualmente alcançados pelo instituto da desconsideração, prevendo o art. 135 que, instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer provas.

Com igual viés, a nosso ver, o escopo da Medida Provisória n. 881 nesse particular, voltada a trazer maior equilíbrio entre os direitos dos credores, direitos dos sócios e/ouadministradores e o necessário prestigiamento à separação patrimonial, fundamental à livre iniciativa e ao empreendedorismo.

Trazendo como certo que a desconsideração da personalidade jurídica se reveste de um caráter punitivo, infundido pela norma ao sócio ou ao administrador que, indevidamente, servem-se da prerrogativa da separação patrimonial atribuída às pessoas jurídicas, pode-se dizer que ao se referir a “abuso da personalidade jurídica”, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o art. 50 do Código Civil procura justamente regular hipóteses de abuso da prerrogativa da separação patrimonial. Em outras palavras, casos em que tal prerrogativa é exercida não em face das atividades societárias, mas com propósito outro, ilícito, a fugir de obrigações assumidas com consequente benefício aos sócios.

A MP n. 881, fiel ao escopo de emprestar segurança jurídica na interpretação dessas hipóteses, conceitua e delimita o que se tem por “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial”. Confira-se:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

  • 1º  Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
  • 2º  Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Desvio de finalidade, portanto, exige o dolo, a intenção de se valer da pessoa jurídica para lesar credores ou praticar atos ilícitos de qualquer natureza. Daí resultar, desde logo, passar ao credor o ônus de provar tanto o benefício advindo ao(s) sócio(s) ou administrador(es), como, sobretudo, o dolo desta conduta.

A eventualmente apaziguar os críticos mais exaltados, de destacar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça nessa direção já há algum tempo, reclamando intenção ilícita e fraudulenta a autorizar a aplicação do instituto.

Trecho de ementa neste sentido ilustra a assertiva: “Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio de finalidade institucional ou a confusão patrimonial” (EREsp n. 1.306.553/SC, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 10.12.14). Ou seja, para a Corte a desconsideração da personalidade jurídica imprescinde de ato intencional dos sócios em fraudar terceiros, avesso à necessária separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os particulares.

Nessa linha de raciocínio percebe-se relevante diferenciação trazida no bojo da MP n. 881, que se dá entre o empresário, sócio ou administrador meramente inapto a tocar certa sociedade daquele que, ao contrário, age deliberadamente com intuito de lesar terceiros, isto é, com dolo. É distinção a ser saudada a evitar,  por exemplo, que singela mudança do ramo de atividade sem consequente alteração do contrato social leve automaticamente à desconsideração da personalidade jurídica, ainda que não necessariamente presente o dolo no caso concreto.

Nesse diapasão dispõe o §5ª acrescido pela MP ao art. 50 do Código Civil: “§5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica”.

E como fica o credor nessa situação? Ora, a rigor mecanismos não lhe faltariam, facultando-se lhe, por exemplo, buscar a nulidade absoluta dos atos simulados (CC, 167), ou daqueles praticados em fraude contra credores (CC. 158) –  dentre eles a cessão de bens do sócio à pessoa jurídica e vice-versa –, ou, ainda, do ato praticado em fraude à execução (CC, 792), situações que dispensam a prova de dolo ou oposição à separação patrimonial.

Em relação ao disposto no § 2º, acrescido ao art. 50 e versado sobre a confusão patrimonial, a MP exige que o benefício indevidamente advindo a sócios ou administradores por conta de abuso e mistura de patrimônios (caput do dispositivo) seja efetivo, e não meramente pontual (inciso I, que alude a cumprimento repetitivo) tampouco de valor desprezível (inciso II, que exceptua valor proporcionalmente insignificante). Caso assim se dê, de acordo com a MP não se cogitaria falar em benefício ao sócio e/ou administrador tampouco em lesão a credores.

A despeito disso, ao prever a possibilidade de “outros atos de descumprimento de autonomia patrimonial” (art. 50, § 2º, inc. III) virem a ser tidos como hipóteses de confusão, a MP acertadamente flexibiliza a atuação interpretativa no caso concreto.

E não menos relevante, a MP ainda afasta a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica pela mera existência de grupo econômico (§ 4º do art. 50), admitindo ainda a desconsideração inversa (CPC, 133, §2º).

Em rápidas palavras, naturalmente sem a pretensão de esgotar o tema, tem-se que a MP ao tempo que reafirma firme jurisprudência ao exigir dolo no uso da pessoa jurídica para lesar credores ou praticar ilícitos de qualquer natureza, estabelece critérios claros para hipóteses de desvio de finalidade e confusão patrimonial, contribuindo com vigor, a nosso ver, para o escopo pela qual foi enfim editada: incentivar a livre iniciativa e o empreendedorismo.

[1] Common law (do inglês “direito comum”) é o direito que se desenvolveu em certos países por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Os sistemas de common law foram adotados por diversos países do mundo, especialmente aqueles que herdaram da Inglaterra o seu sistema jurídico, como o Reino Unido, a maior parte dos Estados UnidosCanadáAustrália etc. (fonte: Wikipédia)

 

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