Trabalho voluntário ainda fará diferença
Trabalho voluntário ainda fará diferença
Prática do voluntariado é bem vista pela sociedade e pelas empresas, mas ainda conta pouco em processos seletivos. Valorização da prática pode transformá-la em diferencial competitivo no futuro.
Apesar de ser vista com bons olhos pela sociedade e pelas empresas, a prática de trabalho voluntário ainda não é considerada um fator de desempate entre candidatos que disputam uma vaga de emprego. Mas essa perspectiva pode mudar. O país passa por um processo de valorização do voluntariado, segundo especialistas, e a atividade pode vir a ser um diferencial competitivo num futuro não muito distante – a exemplo do que ocorre na Europa, que inseriu a prática no seu padrão de currículo.
Segundo a psicóloga Fabiana Morgado Gabrilli, diretora de projetos do Grupo Foco – empresa que atua com recrutamento e seleção em todo o país –, o trabalho voluntário no currículo pode até chamar a atenção do empregador, mas não é um item decisivo para a contratação. “Isso é investigado no candidato, mas não influencia a decisão final. O trabalho voluntário não tem peso compensatório numa seleção. Não adianta ter um bom histórico nesse aspecto e pecar na formação profissional ou na experiência”, explica.
Para ela, o país ainda está começando a pensar de forma socialmente responsável. “Hoje eu acho que esses conceitos estão sendo apenas introduzidos nas organizações, assim como o que acontece com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente”, diz.
Opinião semelhante tem Ligia Coelho Martins, coordenadora do núcleo de responsabilidade e sustentabilidade do Instituto Superior de Administração e Economia (Isae) da Fundação Getulio Vargas. “Acho que aqui no Brasil o peso dado para o trabalho voluntário ainda é menor do que no exterior. Esse ano, por exemplo, a União Europeia está inserindo um novo modelo de currículo que já conta com o trabalho voluntário. Ainda não chegamos a esse ponto, mas essa valorização está crescendo muito”, explica.
Ainda de acordo com Ligia, várias organizações já estão incentivando internamente, entre seus funcionários, o voluntariado. E são essas que costumam dar um maior peso para a prática no processo de seleção. Para ela, mesmo que não seja um critério de seleção, a prática voluntária traz diversos benefícios para o candidato e pode contar como experiência profissional. “As organizações vão olhar para o item no currículo e ver o quanto aquela experiência pode ser útil para elas”, completa.
A sociedade em geral também já começa a valorizar esse tipo de atuação, o que pode trazer outros tipos de benefícios. Foi o caso do arquiteto Pedro Amin Tavares, de 24 anos. Formado em 2007, ele e mais dois sócios abriram um escritório que foi procurado para desenvolver o projeto das novas instalações da Associação Beneficente São Roque. “Fizemos sem pensar em um retorno. O terreno foi cedido, mas a associação não tinha dinheiro para o projeto, que custaria cerca de R$ 15 mil”, conta Tavares.
O projeto foi apresentado para empresários e outros colaboradores durante o jantar comemorativo de 20 anos da organização. A visibilidade, conta o arquiteto, ajudou a conquistar outros clientes. “Foi no jantar que vi a grandeza do que a gente tinha feito. Nos sentimos muito bem por ter ajudado. Vimos o quanto foi importante para eles e prazeroso para nós”, conta.
A gerente administrativa da São Roque, Helena Holdeser, 31, conta que a organização, que trabalha principalmente com a população de baixa renda de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, está em instalações precárias. “Os meninos chegaram a um projeto maravilhoso, não cobraram nada e fico feliz que tenham feito contatos importantes”. Agora, com o projeto em mãos, a associação busca patrocínio para a construção.
Onde começar
Central em Curitiba encaminha interessados
Mesmo quando existe um interesse sincero em participar de projetos de voluntariado, há ainda mais uma barreira: é preciso saber onde atuar como voluntário e quais as organizações idôneas. Ajudar nessa relação entre o profissional e a organização que vai receber o trabalho é uma das funções do Centro de Ação Voluntária de Curitiba (CAV), que encaminha profissionais para as vagas de trabalho voluntário cadastradas em seu sistema de dados.
Para participar, basta entrar em contato com o centro e assistir a uma palestra de orientação. Logo após será feito o relacionamento com a organização. Ambos os lados – entidade e voluntário – são assistidos pelo CAV durante o processo. “Em breve vamos implantar novidades, como um sistema on-line para consultas de vagas e um acompanhamento mais próximo no dia-a-dia do voluntário. Também estamos participando da implantação da rede nacional de voluntariado”, conta Juara de Almeida Ferreira, diretora do CAV de Curitiba, que também é voluntária.
Serviço:
Centro de Ação Voluntária de Curitiba. Rua Ébano Pereira, 359 – Centro. Mais informações no telefone (41) 3322-8076 ou no site www.acaovoluntaria.org.br.
Iniciativa precisa ser espontânea
Apesar dos diversos benefícios que o trabalho voluntário pode trazer, a participação em projetos desse tipo esperando recompensas costuma não ser bem sucedida, explicam especialistas. A iniciativa deve ser espontânea e partir do próprio trabalhador, pois é uma questão de perfil profissional.
“Existem pessoas que jamais vão conseguir fazer esse tipo de trabalho e outras que têm esse perfil mais altruísta. Não há nenhum problema com nenhum deles. O que não vale é mentir. Deve haver aí um desejo autêntico de ajudar pessoas”, explica a diretora do Grupo Foco, Fabiana Morgado Gabrilli.
Para Ligia Coelho Martins, coordenadora do núcleo de responsabilidade e sustentabilidade do Isae/FGV, atuar como voluntário só pelo currículo “não vale”. Mas não há nada de errado em experimentar, para ter certeza se é ou não o tipo de atividade que se encaixa em seu perfil. “Algumas pessoas se envolvem por marketing pessoal e outros motivos, mas acabam gostando da causa e ficando”, diz.
A vontade sincera de colaborar foi o que moveu o advogado Célio Pereira Oliveira Neto, 37, para o trabalho voluntário. Especialista em direito trabalhista, ele fez uma consultoria preventiva para o Projeto PVC, desenvolvido pelo Isae/FGV, e que propõe a fabricação com materiais de baixo custo – como canos de PVC – de mobiliário adaptado a crianças que sofrem de alguma disfunção neuromotora. “Sempre quis ajudar, mas nunca achei nada na minha especialidade. Essa foi uma oportunidade de fazer algo de bom. Uma cadeira de rodas feita nos moldes do projeto sai por um custo muitas vezes menor do que o comercial”, explica. (LCJ)
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