Opinião: Lei nº 13.429/2017 e o futuro da terceirização no Brasil
Cássia Pizzoti e Henrique Soares Mello para o Estadão
Prestes a celebrarmos o aniversário de 74 anos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, presenciamos inegável avanço para que, finalmente, o Brasil passe a ter uma legislação regulamentando a terceirização.
Justiça seja feita: a defasagem decorrente da ausência de uma legislação sobre a terceirização não remonta desde os idos de 1943, uma vez que a terceirização, no Brasil, tomou corpo somente a partir da década de 1990. Concebida nos Estados Unidos como saída para que as empresas tivessem um ganho de eficiência em relação à demanda e foco em seus produtos, a terceirização tornou-se também aqui no Brasil um fenômeno e, em muitos casos, foi desvirtuada com o intuito de redução de custos.
Nesse cenário, coube ao judiciário cobrir a lacuna deixada pelo poder legislativo, culminando na publicação, no ano de 2011, da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho – TST, segundo a qual somente se considera válida a terceirização que atinja as atividades-meio da empresa tomadora dos serviços, reputando-se ilícitos os processos de terceirização que envolvam a atividade-fim da empresa, ou seja, a principal atividade econômica da empresa, aquela para a qual foi constituída.
Ainda que, em uma primeira leitura, possa se dizer que o sistema estava regulamentado em decorrência dos limites estabelecidos pela justiça do trabalho, a ausência de uma legislação específica somente beneficiou aqueles que pretendiam desvirtuar o instituto da terceirização, prejudicando inúmeros trabalhadores e tornando cada vez mais abalroada de processos a justiça do trabalho que, somente no ano de 2016, recebeu 3 milhões de novas ações.
Analisado o texto da Lei nº 13.429/2017, sancionada pelo Presidente da República na sexta-feira 31.03.2017, em edição extra do Diário Oficial da União, um dos maiores avanços é a definição quanto à possibilidade de terceirização de todas as atividades da empresa. Isso porque, as controvérsias sobre o que se configura como atividade-fim e atividade-meio de uma empresa davam lugar a inesgotáveis debates em ações fiscalizatórias, procedimentos perante o Ministério Público do Trabalho e, obviamente, reclamações trabalhistas em andamento na justiça do trabalho.
Erram rudemente os detratores da terceirização que, sob o pretexto de advogarem em defesa dos trabalhadores, desferem uma série de críticas ao processo da terceirização e, especialmente, aos projetos de lei sobre o tema, divulgando informações não comprovadas e, sobretudo, voltadas mais a confundir do que a esclarecer.
Erra do mesmo modo o empresário que terceiriza com o objetivo único de reduzir custos ou que assumir que, com a permissão para a terceirização em todas as atividades da empresa advinda da nova lei, criar-se-á verdadeiro salvo conduto para qualquer espécie de terceirização. Nos casos onde existam fraudes com o único intuito de precarizar direitos dos trabalhadores e nas situações onde se identifique a existência dos elementos de uma relação de emprego entre o prestador dos serviços e a empresa tomadora, reputar-se-ão ilícitas as terceirizações, sendo aplicáveis os mesmos riscos atualmente existentes.
A palavra de ordem no momento é cautela, considerando inclusive a possibilidade, ainda não descartada, de votação do Projeto de Lei nº 4330/2004 pelo Senado Federal, o qual, a propósito, por regulamentar mais detalhadamente os direitos e obrigações das partes na cadeia da terceirização, indiscutivelmente comporta menos críticas por parte da sociedade e, consequentemente, possibilita um avanço mais harmônico na condução da necessária reforma trabalhista.
Caso venha a ocorrer a votação do PL nº 4330/2004 pelo Senado Federal nos próximos dias (possibilidade aventada por alguns senadores) e sendo encaminhado também esse projeto para a sanção presidencial, caberia ao Presidente da República a escolha dos pontos do referido projeto que iriam à sanção, de modo a complementar a Lei nº 13.429/2017.
Outra possibilidade considerada pelo governo é a de inclusão, no texto da reforma trabalhista (PL nº 6787/2016), das salvaguardas aos direitos dos trabalhadores terceirizados, concessão dos mesmos direitos que os oferecidos aos empregados da empresa tomadora dos serviços e obrigatoriedade de a empresa tomadora fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas, fundiárias e previdenciárias da empresa prestadora dos serviços.
De qualquer forma e ainda que seja inegável a conclusão de que um processo legislativo mais apurado traria maior segurança jurídica para as empresas e para os trabalhadores em termos de terceirização, culminando ainda na redução da judicialização da matéria, é certo que a sanção da Lei nº 13.429/2017 representa um importante avanço para a terceirização no Brasil. Caberá aos empresários, à sociedade e ao judiciário a aplicação da tão esperada legislação sobre a matéria com discernimento, dentro dos princípios gerais que regem o direito brasileiro, em especial o da boa-fé, que deve permear todos os negócios jurídicos.