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O regime de home office em situação emergencial equivale ao teletrabalho? Como fica a marcação de ponto para empregados que estejam em home office devido à pandemia mas estão sujeitos à marcação de ponto?

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O regime de home office em situação emergencial equivale ao teletrabalho? Como fica a marcação de ponto para empregados que estejam em home office devido à pandemia mas estão sujeitos à marcação de ponto?

Célio Pereira Oliveira Neto[1]

Em sua tradução literal, teletrabalho significa trabalho a distância (do grego tele, que significa distante). Representa trabalho prestado, ao menos em parte, a distância, fora da sede da organização empresarial, mediante uso da telemática, com flexibilidade de jornada e ausência de fiscalização direta, empoderando o teletrabalhador diante da auto-organização e autonomia de gestão do tempo e, em certa medida, de suas atividades.[2]

A OIT conceitua teletrabalho como “forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação”.[3]

Home office é espécie do gênero teletrabalho, assim enquadrado sempre que as atividades forem realizadas a partir da residência de quem exerce a atividade por meio da telemática (tecnologia + informação/comunicação). Nesse sentido leciona Mauricio Godinho Delgado:[4]

[…] 1) o tradicional trabalho no domicílio, há tempos existente na vida social, sendo comum a certos segmentos profissionais, como as costureiras, as cerzideiras, os trabalhadores no setor de calçados, as doceiras etc.;  b.2) o novo trabalho no domicílio, chamado home-office, à base da informática, dos novos meios de comunicação e de equipamentos convergentes; b.3) o teletrabalho, que pode se jungir ao home-office, mas pode também se concretizar em distintos locais de utilização dos equipamentos eletrônicos hoje consagrados (informática, internet, telefonia celular etc.).

Em tempos de COVID-19, visando a contenção do alcance da pandemia, o teletrabalho na modalidade home office é medida que se impôs. Mas, não se enganem, a grande maioria está em regime de teletrabalho precário, convivendo com notícias das mortes causadas pela pandemia e o medo da doença, com os filhos necessitando de auxílio para as aulas à distância, além do cônjuge no mesmo ambiente – tudo junto e misturado. As empresas, a seu turno, não tiveram tempo para implementar uma política estruturada de teletrabalho.[5]

É muito importante observar que por força do art. 75-B da CLT não se considera regime de teletrabalho quando em organização descentralizada montada e gerida pelo empregador, nem em atividade externa, assim como na hipótese de o trabalho não ser preponderantemente descentralizado. Com isso, em uma primeira leitura, quando o trabalho por meio da comunicação e informação não ocorrer a maior parte do tempo fora das dependências do empregador não se aplicariam as regras previstas no capítulo II-A da CLT.[6]

De forma diversa à previsão legal, entretanto, recomenda-se aplicar todas as regras do capítulo II-A da CLT, dada a alteração parcial do contrato de trabalho, exceção feita ao regime de controle de jornada. Tal alternativa interpretativa parece ser mais coerente, afinal o trabalho realizado duas vezes por semana a distância (v.g.) também merece regras próprias, à medida em que tecnicamente se estará em regime de teletrabalho, em que pese o legislador diga o contrário.

Melhor teria sido se o legislador reformista tivesse enunciado que não se aplica a regra do art. 62, III da CLT quando o regime de teletrabalho não for preponderante, mantendo a aplicabilidade do restante do capítulo II-A da CLT. Pois bem, o fato é que tanto em uma quanto em outra possibilidade a isenção de controle de jornada só ocorre se o trabalho for preponderantemente realizado fora das dependências do empregador, por meio da telemática. Nessa condição, o controle de jornada pode ser dispensado, se houver liberdade no cumprimento da jornada a ser cumprida.

Se, no entanto, o teletrabalho presencial predominar, ou os horários de trabalho permanecerem sendo cumpridos exatamente nos horários contratados e fiscalizados, a recomendação é de manutenção do regime de controle, de modo a adotar, ainda que sem instrumento coletivo a validar: o controle por meio de login, logout; aplicativo no celular ou mesmo através de e-mail em que o empregado informa o horário trabalhado.

Com efeito, diante do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo número 06, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, flexibilizou-se o modelo de controle para além do previsto na Portaria 1510.

O importante aqui é a transparência e a boa-fé, de sorte que sejam anotados os horários efetivamente trabalhados. Assim, e por não ferir regra constitucional, empregado e empregador podem ajustar modo próprio de anotação do controle de jornada. Afinal, a medida cumprirá de modo inequívoco o princípio da proporcionalidade e seus subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – aplicando-se ainda de modo análogo a previsão do art. 2º da MP 927.[7]

Por sinal, a manutenção do controle de jornada também encontra recomendação diante da combinação (equivocada, s.m.j) dos incisos I e III do art. 62 da CLT, quando da possibilidade de controle de jornada[8]. Afinal, é de conhecimento que tal regra é aplicada pela jurisprudência trabalhista no que se refere ao trabalho externo, em que pese a base seja o art. 62, inciso I da CLT.

Com efeito, a jurisprudência consagrou a possibilidade de controle de jornada como suficiente a ensejar a descaraterização da exceção de controle quando se trata de atividade externa, mas também por vezes para o exercente de cargo de confiança, inobstante a ausência de previsão no art. 62, inciso II da CLT. Nessa esteira de raciocínio, ainda que sem caráter vinculativo, é de se observar o teor do Enunciado 21 da Comissão 3 do XIX CONAMAT.[9]

Logo, recomenda-se cautela, de sorte que havendo a possibilidade de controle de jornada – especialmente quando da existência de conexão permanente on line – é aconselhável que o empregador avalie a possibilidade de limitar a extensão da jornada, predeterminar os horários de trabalho, inclusive dos intervalos, se for o caso limitando acesso fora dos horários contratados, sob pena de gerar um sem número de horas extras, na hipótese de a jurisprudência se inclinar pela tese da possibilidade de controle de jornada como apta a excluir a aplicação do art. 62, inciso III da CLT.

Quanto à jornada, a MP 927 trouxe ainda novos contornos flexibilizadores por força do art. 4º, §5º da MP 927, que prevê que “o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo”. Tal dispositivo deve ser visto com alguma reserva, afinal as medidas limitadoras de direito devem ser lidas de modo restritivo. Assim se faz necessária alguma cautela na aplicação.

A título exemplificativo, o empregador deve ter o cuidado de não confundir o uso de aplicativos pelo empregado ou ocasional encaminhamento de correios eletrônicos fora do horário de trabalho com a realização de trabalho constante por meio de aplicativos ou outros meios de comunicação em horário diverso do contratado. Isso porque, ainda que isento do controle de jornada (se assim o for), há de se tomar a cautela com o respeito aos dias de descanso semanal remunerado e feriados, respeitando o direito de desconexão, entendido como tal direito ao lazer e ao descanso em oposição ao trabalho.

O mesmo se diga quanto ao regime de plantão, mormente quando da manutenção de regime de plantão já ordinário. Afinal, se o empregado permanecer em regime de plantão fixo, cabendo ser chamado a qualquer tempo, abre-se ampla possibilidade de ser caracterizada a hora de sobreaviso, nos termos da Súmula n. 428 do TST. E tal regra ainda se torna mais forte na hipótese de aplicação do art. 6º da CLT, quando não caracterizado o regime de teletrabalho nos termos do art. 75-B da CLT.

Outrossim, por força do art. 4º, II da MP 927, se o empregado tiver sido encaminhado para casa, seja em razão do regime de quarentena previsto pelo art. 3º, II da Lei 13.979, seja por liberalidade do empregador, sem que tenha a condição tecnológica de realizar o teletrabalho, ficará isento do cumprimento da jornada, sem prejuízo do salário. Afinal, se encontrará à disposição do empregador, consoante art. 4º da CLT.

Em apertada síntese, são essas as principais diretrizes a serem observadas no que tange à isenção ou não de controle de jornada daquele que labora em regime descentralizado por meio da telemática durante o surto de COVID-19, e com base nas regras da Medida Provisória 927.

Como se sabe, no entanto, a MP 927 perdeu seus efeitos a partir de 20.07.2020, de modo que não havendo a edição de decreto legislativo a regular as relações jurídicas constituídas durante a vigência da MP em referência, suas regras mantêm validade e eficácia no período de sua vigência (22.03.2020 a 19.07.2020), forte do art. 62, §11, CF. Ou seja, a partir de 20.07.2020 voltam a valer todas as regras da CLT com impactos imediatos nos contratos de trabalho[10]

Logo, no que tange ao teletrabalho, a própria adoção do regime passa a depender de mútuo acordo, assim como de modo indene de dúvidas o tempo utilizado com o uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal tenderá a ser configurado como tempo à disposição.[11]

Por fim, cumpre notar que o trabalho em ambiente virtual ainda poderá ser objeto de muitas regulamentações, do que é significativo exemplo o PL 3512, que revoga o inciso III do art. 62, altera o art. 75-D e acrescenta o art. 75-F à CLT, de tal arte a: inserir o controle de jornada para o teletrabalho (a exemplo do direito português); e obrigar o empregador a fornecer e manter os equipamentos e infraestrutura necessária e adequada ao trabalho descentralizado, ressalvada negociação coletiva em sentido diverso para esta última hipótese.

Vamos acompanhando os próximos passos, aproveitando o melhor do teletrabalho e procurando mitigar seus riscos.[12]

[1]       Doutor, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pesquisador GETRAB/USP; Professor nos cursos de Pós-Graduação da Escola da Magistratura do Trabalho da Nona Região – Ematra IX, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, Universidade Cândido Mendes; Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC/PR; Universidade Positivo, Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst; Instituto Superior de Administração e Economia – ISAE; Universidade Curitiba – Unicuritiba;  ESA/OAB; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ); Membro da Comunidad para la Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional; Coordenador do Conselho de Relações Trabalhistas da Associação Comercial do Paraná; Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH/PR); Diretor Jurídico da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; Vice-Presidente da Comissão da Agenda 2030 do Instituto dos Advogados Brasileiros; Presidente do Instituto Mundo do Trabalho – IMT; Sócio-fundador Célio Neto Advogados.

[2]       OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. São Paulo: LTr Editora, 2018.

[3]       BRASIL. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <www.ilo.org>. Acesso em: 30 mar. 2020.

[4]       DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 1023.

[5] OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Quais os principais desafios para o teletrabalho pós-covid 19?. Portal Jurídico Jota, de 03.07.2020

[6]       nomeadamente: a) concordância do trabalhador, mediante aditivo, para labor em regime descentralizado por meio da comunicação e informação (art. 75-C, §1º); b) contrato escrito contendo rol de atividades (art. 75-C); c) quanto à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para o trabalho remoto, bem como a previsão escrita quanto ao reembolso das despesas arcadas pelo empregado (art. 75-D); d) instruções expressas e ostensivas quanto às precauções a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, cabendo ao empregado assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a cumprir as instruções fornecidas pelo empregador (art. 75-E); e) isenção de controle de jornada (art. 62, III).

[7]       Art. 2º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

[8]       OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. São Paulo: LTr, 2018.

[9]       21. Teletrabalho. Controle de Jornada

REFORMA TRABALHISTA — ART. 62, INCISO III/CLT — CONTROLE EFETIVO DA JORNADA. NOS CASOS EM QUE FOR POSSÍVEL O ACOMPANHAMENTO OU CONTROLE INDIRETO DA JORNADA DE TRABALHO PELO EMPREGADOR, AINDA QUE POR MEIOS INFORMATIZADOS OU TELEMÁTICOS, O PRINCÍPIO DO CONTRATO REALIDADE IMPÕE A INTERPRETAÇÃO DO DISPOSITIVO EM EPÍGRAFE DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 7º, INCISO XIII DA CF/88, ART. 7º, “D” DO PIDESC E DO ART. 7º “G” PROTOCOLO DE SAN SALVADOR, GARANTINDO AO TRABALHADOR O DIREITO ÀS HORAS EXTRAS TRABALHADAS.

[10] Ver nota de roda-pé de número 6.

[11] Cabe ainda observar que inexistia previsão expressa permitindo a manutenção do aprendiz em regime de teletrabalho desde a caducidade da MP 927 até 10.08.2020, quando foi editada a Portaria 18.775 de 2020, que autorizou, de forma excepcional, a execução das atividades teóricas e práticas do programa de aprendizagem profissional, na modalidade à distância, durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6.2020.

[12] Vide capítulo 6 Prevenção Empresarial em Ambiente Virtual in: OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. São Paulo: LTr, 2018.

 

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