LIVE: Teletrabalho pós-pandemia e os desafios da gestão
O advogado, professor e especialista em direito do trabalho pela PUC/SP, Célio Pereira Oliveira Neto, participou, na tarde desta segunda-feira (13/07), da 17ª live promovida pelo Sistema Ocepar para os agentes de cooperativas paranaenses. O tema abordado foi o teletrabalho pós-pandemia e os desafios da gestão. Durante cinquenta minutos, Célio Neto fez um histórico sobre o teletrabalho, que virou assunto do momento devido ao isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. Segundo ele, “não é nada transitório, veio para ficar. No Brasil, 45% das empresas já adotavam o teletrabalho antes da Covid-19, representando um contingente de mais de 15 milhões de teletrabalhadores”, disse.
Aprisionados – O especialista relatou que “nas revoluções industriais, tanto Taylorismo como o Fordismo eram modelos de trabalho onde nós estávamos aprisionados no relógio da fábrica. Toda a sociedade girava em torno disso”, destacou. Ele fez um paralelo também com relação aos métodos de ensino até um tempo atrás. “Não íamos para escola para aprender, para sermos criativos. Na época, íamos para aprendermos noções de hierarquia, de respeito, ou seja, realizar um trabalho repetitivo. Na terceira revolução industrial na Itália um trabalhador realizava seu trabalho em 57 segundos, tudo isso era dimensionado como produtividade”.
Informação – Ele ressalta que na quarta revolução industrial é que surge o digital, “a informação aparece como grande valor. Até o céu do Facebook é azul, onde navegamos felizes. Ninguém posta lá que está quebrado financeiramente. Hoje, nossos aparelhos celulares têm mais tecnologia do que o foguete que levou o homem à lua em 1969 e mais do que muitos computadores daquela época”. Para Célio Neto, vivemos num mundo líquido, onde as coisas não ficam mais guardadas em nossas memórias e sim em chips. “Com certeza, este é um cenário que ficará mais evidente pós-pandemia. As pessoas não têm mais tempo para ler, querem ver. Este novo cenário, esta construção desta nova realidade, onde lá trás o chão de fábrica era tudo fiscalizado e controlado acabou. Onde o trabalhador não tinha voz. Agora, todos nós queremos ser protagonistas”.
Mudanças – “Com a sociedade da informação nasce a desterritorialização do trabalho, agora ele está em qualquer lugar. Está onde você levar seu celular e seu computador. Antes da Covid-19 já existia, mas não dávamos muita bola para ele. Vivemos aquela música do Raul Seixas: o dia em que a terra parou. Parou para ver que o teletrabalho se desenvolve na crise. O trabalho agora vem até nós e não nós vamos até o trabalho. No ataque as torres gêmeas, grande parte das empresas do World Trade Center estavam em suas casas no teletrabalho. Nos Estados Unidos são 70 milhões de pessoas trabalhando em casa, fato este que evitou muito mais mortes durante o 11 de setembro”, frisou.
Precariedade – Ele alerta que “de repente, todos nós fomos colocados em teletrabalho de forma precária, obrigatória, sem uma política de dados, sem uma política de jornada e de produtividade. Uma pesquisa realizada recentemente sobre o teletrabalho revelou que 34% das pessoas apontaram como maior dificuldade a Covid-19; em segundo, 20%, os filhos em casa. Evidente que num cenário de teletrabalho normal, os filhos estariam na escola e não no mesmo ambiente. O grau de estresse está sendo maior neste momento. Todo mundo numa mesma sala, vendo TV, ajudando a fazer a tarefa da escola, com telefone tocando e, ainda, tendo que entregar. Ainda não estamos em um regime normal de teletrabalho. Por isso que muitos hotéis viram a oportunidade de oferecer seus espaços para que as pessoas locassem para poder trabalhar mais tranquilamente”, contou.
Economia – Segundo o especialista, as empresas já perceberam o quanto isso é benéfico para a ela. A Agência Nacional de Energia informou que economizou durante os primeiros meses da pandemia R$ 15 milhões, que deixou de gastar nos escritórios nesses cinco meses. O presidente da Petrobras disse que, após a pandemia, 50% dos funcionários da empresa podem trabalhar a distância, o Facebook também irá pelo mesmo caminho. Na pesquisa realizada pela Dom Cabral com 705 entrevistados, 54% disseram motivados em pedir para passar a trabalhar remotamente após a crise pandêmica. Entre os benefícios apontados estão, 84%, economia de tempo; 70% economia de dinheiro; 68,8% poder passar mais tempo com a família e 54% ser mais feliz. É a busca do propósito da felicidade”.
ODS – Esta é a facilidade de poder trabalhar onde você quiser, na praia, no campo, num ciber café, num coworking. Essa forma de trabalhar corrobora com a prática dos objetivos do desenvolvimento sustentável proposto pela ONU na Agenda 2030 – entre eles, o direito ao acesso à informação por meio da telemática, com mais informação, em resumo, o teletrabalho. Palavra esta que vem do grego, teles, distante, trabalho distante pela telemática, que une comunicação mais a informática.
Qualidade de vida – Para Célio Neto, as empresas precisam fazer esta análise, tanto econômica como social. “Lembrar que o teletrabalho evita o estresse e o risco de pegar transporte público, trânsito para ir de casa ao trabalho e retornar todos os dias. Uma melhora sensível na saúde mental do trabalhador. Na forma tradicional que vivíamos, perdíamos 37 dias por ano no trânsito. Por ano se gasta no país cerca de R$ 61 bilhões com soluções para o trânsito. Quanto deste valor poderia ser redirecionado para outros setores mais urgentes nas cidades? Em São Paulo, um trabalhador perde em média 50 minutos por dia para se deslocar para o trabalho. Este tempo poderia utilizar com a família, ou para realizar um curso que melhorasse seus conhecimentos. Evidente que tudo precisa ser feito com planejamento e com todos os cuidados necessários. Treinar tanto os dirigentes da empresa como os funcionários de que não é só ir para casa e pronto. Precisa entregar com responsabilidade, com agilidade e qualidade. Tem que entregar um resultado, não é somente uma administração de tempo, mas de resultado, buscando a felicidade.
Mudança de visão – Na sua opinião, “o teletrabalho facilitará a ruptura de alguns paradigmas como, por exemplo, a licença maternidade. Aqui mais um ODS da ONU, igualdade de gênero. Vocês sabiam que metade das mulheres são dispensadas após a estabilidade pós parto? Em Portugal, tanto o pai como a mãe podem exercer suas atividades pelo teletrabalho após o nascimento do filho, para que possam acompanhar o desenvolvimento da criança com mais qualidade. Sem necessidade de deixar com uma babá ou na creche. A tal licença de cinco dias era da época das revoluções industriais do passado e não agora. É preciso uma mudança de visão em todos os sentidos”, disse Célio Neto.
Modelo híbrido – Segundo o palestrante, “em situações normais, os especialistas preveem que haverá um modelo híbrido do teletrabalho, em que se permite ao funcionário o home-office em alguns dias da semana. É uma forma de equilibrar vantagens e desvantagens do trabalho remoto. Ou onde uma parte dos colaboradores virão num dia e outra parte no outro. “Assim, o funcionário mantém o sentimento de pertencimento, não ficará isolado sem trocar ideias com os demais colegas da empresa. Assim, consigo reduzir riscos dos acidentes de trabalho ou de trajeto também. Quantos bilhões foram economizados pelo governo neste período com os possíveis afastamentos por acidentes? Sem falar na questão ambiental, quanto deixamos de queimar em poluentes neste período da quarentena? Atualmente, 8% dos jovens aceitam ganhar menos com um trabalho misto. Pós pandemia este percentual será muito maior junto a esta nova geração, que puderam experimentar este novo momento de trabalho em casa”, afirmou.
Desafios – Mas, para que possamos de fato implementar o teletrabalho, Célio Neto diz que é necessário enfrentar alguns desafios. “O primeiro é adaptação do trabalhador que vai para a casa e começa a trabalhar. E a ergonomia. A mesa de trabalho dele em casa é ideal? Como evitar que o teletrabalho se transforme em doenças de visão, físicas etc. Como separar família e o trabalho? É permitido a empresa fazer inspeção para ver o ambiente de trabalho na casa do funcionário? Não seria uma invasão de privacidade? Tem pessoas que sequer tem o equipamento adequado. Pode o empregador exigir a mesma entrega que presencial? E o controle do tempo de trabalho, como fica? Quais são os benefícios? O vale transporte não vai ter mais, e o vale alimentação continua valendo? São preocupações que chamo de desafios a serem superados, cuidados que devemos ter para que as pessoas não fiquem doentes. De que forma funciona esta fiscalização, sem ferir direitos legais? O melhor conselho é criar um comitê para discutir e avaliar a implementação dessa nova política de trabalho adequada, com ferramentas disponíveis para que se possa fazer um diagnóstico da situação sem sustos. Construir junto com o funcionário alternativas que possam se adaptar a cada situação”, sugere.
Fonte: Parana Cooperativo – Acessado em: 15/07/2020