Controle de jornada e o Teletrabalho
Live solidária realizada em prol do Hospital do Amor vira e-book. Na oportunidade, o advogado Célio Pereira Oliveira Neto abordou o tema Controle de Jornada e o Teletrabalho.
Célio Pereira Oliveira Neto[1]
Resumo
O presente artigo aborda a questão da manutenção ou exclusão do regime de controle de jornada quando da adoção do teletrabalho, apresentando a dissonância relativa ao tema.
Nesse diapasão, defende a isenção do controle como conquista do trabalhador empoderado diante do avanço da telemática, mitigação da subordinação e transformações na forma de prestação do trabalho.
Reconhece, no entanto que ao teor da regra legal, a isenção de controle prevista pelo art. 62, inciso III da CLT só é aplicável quando das atividades preponderantemente realizadas de modo descentralizado, por meio da telemática. Recomenda ainda a manutenção do regime de controle, se a jornada for cumprida exatamente nos horários contratados e fiscalizada.
Faz breve abordagem acerca das alterações promovidas pela Medida Provisória 927, durante a sua vigência e pós-caducidade, no que se refere ao impacto na jornada de teletrabalho e seus efeitos.
Encerra com rápida projeção do teletrabalho pós-COVID19, vislumbrando a adoção de um regime misto, ou seja, parte do tema de forma descentralizada.
Palavras-chave: teletrabalho, jornada, controle, controle da jornada de trabalho.
ABSTRACT
This article addresses the issue of maintaining or excluding the working hours control regime when adopting telework, presenting the dissonance related to the theme.
This pitch, defends the exemption of control as an achievement of the empowered worker in the face of the advancement of telematics, mitigation of subordination and transformations in the way of providing work.
It recognizes, however, that according to the content of the legal rule, the exemption from control provided for in art. 62, clause III of the CLT is only applicable when activities are predominantly carried out in a decentralized manner, through telematics. It also recommends the maintenance of the control regime, if the day is fulfilled exactly at the contracted times and supervised.
It briefly addresses the changes promoted by Provisional Measure 927, during its validity and post-expiry, with regard to the impact on the telework day and its effects.
It ends with a quick projection of post-COVID telework19, envisioning the adoption of a mixed regime, that is, part of the theme in a decentralized way
Keywords: telework, control, working hours control regime
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Conceitos introdutórios
A OIT conceitua teletrabalho como “forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação.”[2]
Teletrabalho significa trabalho à distância (do grego tele = distante). Representa trabalho prestado, ao menos em parte à distância, fora da sede da organização empresarial, mediante o uso da telemática, com flexibilidade de jornada, e ausência de fiscalização direta, empoderando o teletrabalhador diante da auto-organização e autonomia de gestão do tempo, e em certa medida de suas atividades.
Portanto, qualquer trabalho prestado à distância, cujo resultado seja entregue por meio da telemática, seja ele desenvolvido em casa, em coworking, em sala alugada, em cyber café ou telecentros – para citar apenas alguns exemplos – é teletrabalho.
Home office é espécie do gênero teletrabalho, assim enquadrado sempre que as atividades forem realizadas a partir da residência de quem a exerce, por meio da telemática (tecnologia + informação/comunicação).[3]
Em tempos de pandemia, dada a necessidade de isolamento social, home office é a modalidade de teletrabalho que se impõe, inclusive sem a necessidade de concordância do trabalhador a teor do art. 4º da MP 927, observado o período de vigência desta.
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Controle da jornada
2.1. Enquadramento do teletrabalho na CLT
O art. 75-B da CLT considera como teletrabalho “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”[4]
Assim, ao teor da letra do dispositivo legal mencionado, não se considera regime de teletrabalho quando em organização descentralizada montada e gerida pelo empregador, nem em atividade externa, assim como na hipótese de o trabalho não ser preponderantemente à distância.
Com isso, numa primeira leitura, quando o trabalho por meio da comunicação e informática/informação não ocorrer a maior parte do tempo fora das dependências do empregador ou de organização descentralizada por este gerida, não se aplicariam as regras previstas no capítulo II-A da CLT.[5]
No entanto – rememorando os conceitos introdutórios – o fato de a atividade laborativa ser prestada por meio da telemática, de forma descentralizada em percentual inferior à realizada presencialmente na sede da empresa, não faz com que deixe de configurar labor em teletrabalho.
Com efeito, o trabalho realizado duas vezes por semana à distância (v.g.) também merece regras próprias, à medida em que na acepção técnica se estará em regime de teletrabalho, em que pese o legislador assim não o enquadre.
Melhor teria sido se o legislador reformista tivesse enunciado que não se aplica a regra do art. 62, III da CLT quando o regime de teletrabalho não for preponderante, mantendo a aplicabilidade do restante do capítulo II-A da CLT.
De toda sorte, o fato objetivo é que a isenção de controle de jornada só ocorre se o trabalho for preponderantemente realizado fora das dependências do empregador, por meio da telemática.
2.2. A regra da isenção de controle
O art. 62, inciso III da CLT é expresso ao isentar o teletrabalhador do controle de jornada, ainda que haja comparecimento na empresa.[6]
A flexibilidade e auto-gestão dos tempos e métodos demonstra que essa modalidade de trabalho não deve ser tratada como sujeita à controle de jornada, sob pena de perder a sua própria essência.
Vale aqui a lição de Domenico de Masi que distingue as condições de realização do trabalho intelectual do manual, explicando que:
[…] “ainda aplicamos ao trabalho intelectual regras que foram pensadas para o trabalho material. Mas o trabalho material, como já vimos, requer quase sempre uma nidade de tempo e lugar — a fábrica — enquanto o trabalho imaterial não exige nem copresença física, nem sincronismo.”[7]
Em regime de teletrabalho, em regra inexiste preocupação com o tempo, mas com a entrega contratada. Não importa ao empregador, pois, o número de horas de trabalho, ainda que menor do que as usuais.
Nesse sentido, ao tratar das mudanças do poder de direção na sociedade da informação, Antonio Carlos Aguiar leciona:
[…] “às empresas, atualmente, não é mais imprescindível o controle direto sobre as atividades desenvolvidas. Surge um estágio diferenciado, em que há maior autonomia e divisão de responsabilidades para confecção do que é ao final esperado: o resultado (e não mais só o processo de execução)”.[8]
No lugar da monotonia das tarefas enfadonhas e repetitivas de um trabalho impensado realizado durante as primeiras revoluções industriais, ingressa ambiente que requer adaptabilidade e criatividade – que melhor se coaduna com a autogestão da jornada.
Ao tempo das primeiras revoluções industriais, o relógio da fábrica determinava o biorritmo do trabalhador, que teria de cumprir atividades em horários certos e determinados, de modo cronometrado.
A alforria do relógio da fábrica, diante da combinação da maior autonomia com as mudanças da forma de prestação do trabalho, e a ampliação da telemática, inseriram o teletrabalho na vida da sociedade da informação.
A gestão do tempo passa a ser muito mais qualitativa do que quantitativa, desaparecendo a necessidade de controle das horas, de modo assemelhado ao trabalho autônomo, no que se refere à auto-gestão e flexibilidade de tempos e métodos.
Há relativização da subordinação, inexistindo a mesma preocupação de outrora com o número de horas trabalhadas, mas com a qualidade e produtividade.
Trata-se de novo paradigma, conectado aos resultados, tal como prevê o art. 1º da Resolução 677 do STF, aplicável em âmbito interno, que estabelece “modelo diferenciado de gestão de atividades voltado para a entrega de resultados nos trabalhos realizados nos formatos presencial e à distância...”[9]
A preocupação do gestor deve ser, pois, com o resultado, muitas vezes revelado pelo cumprimento de metas, planejamento ou projeto entabulado, e não de controle sobre o tempo, que passa a ser do teletrabalhador, a quem cabe gerenciar os horários de trabalho[10] e os momentos de aproximação com o núcleo familiar, ou mesmo desenvolvimento de outras atividades extra-laborais, tudo de acordo com o seu biorritmo.[11]
Nesse novo palco, o tempo é imediato, não precisa mais ser controlado, já foi “aniquilado” ou “suicidou-se”, afinal a produção não é mais em linha, tempo a tempo, rotinizada, perdendo sentido a sua medição.[12]
2.3. Possibilidade de controle de jornada
O art. 62, inciso I da CLT exclui do controle de jornada os empregados que exercem atividade externa, desde que tal seja incompatível com a fixação de horário de trabalho, anotando-se tal condição na CTPS (agora digital) e Ficha de Registro de Empregado.[13]
O art. 62, inciso III da CLT, a seu turno, possui regra diversa do inciso I, na medida em que exclui o teletrabalhador do regime do capítulo II da CLT, que trata da jornada de trabalho, independente da possibilidade de controle.[14]
Essa diferença é relevante na medida em que comparando com o art. 62, inciso I da CLT, percebe-se que este exclui o trabalhador externo do capítulo II, desde que haja incompatibilidade com o controle de horário. Ou seja, para o trabalhador externo importa se há condições objetivas de controlar a jornada cumprida pelo empregado.
No entanto, para o teletrabalhador, ainda que haja possibilidade de controle de jornada, o enunciado legal conduz à inaplicabilidade do capítulo II da CLT que trata do regime de jornada de trabalho.
Se admitida, no entanto, a combinação do art. 62, inciso I da CLT com o art. 62, inciso III da CLT — o que não parece uma interpretação correta — abre-se a possibilidade de aplicação do regime de controle, e por consequência deferimento de horas extras, adicional noturno e outros, ao teletrabalhador, quando da possibilidade de se exercer controle de jornada.
É de conhecimento que tal regra é aplicada pela jurisprudência trabalhista no que se refere ao trabalho externo, porém a base é o art. 62, inciso I da CLT, que prevê expressamente a necessidade de incompatibilidade de controle de jornada como meio hábil para a aplicabilidade do regime de exceção da jornada.
Com efeito, a jurisprudência consagrou a possibilidade de controle de jornada como suficiente a ensejar a descaraterização da exceção de controle quando se trata de atividade externa, mas também por vezes para o exercente de cargo de confiança, inobstante a ausência de previsão no art. 62, inciso II da CLT.
Nessa esteira de raciocínio, é de se observar o teor do Enunciado 21 da Comissão 3 do XIX CONAMAT, ainda que sem efeito vinculativo.[15]
REFORMA TRABALHISTA — ART. 62, INCISO III/CLT — CONTROLE EFETIVO DA JORNADA. NOS CASOS EM QUE FOR POSSÍVEL O ACOMPANHAMENTO OU CONTROLE INDIRETO DA JORNADA DE TRABALHO PELO EMPREGADOR, AINDA QUE POR MEIOS INFORMATIZADOS OU TELEMÁTICOS, O PRINCÍPIO DO CONTRATO REALIDADE IMPÕE A INTERPRETAÇÃO DO DISPOSITIVO EM EPÍGRAFE DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 7º, INCISO XIII DA CF/88, ART. 7°, “D” DO PIDESC E DO ART. 7º “G” PROTOCOLO DE SAN SALVADOR, GARANTINDO AO TRABALHADOR O DIREITO ÀS HORAS EXTRAS TRABALHADAS.
Como contraponto vale notar que a redação atual do art. 62, inciso I da CLT é de 1994. De lá para cá houve elevado avanço tecnológico, mormente no que tange à telemática.
Para se ter uma ideia, foi em 1994 que Tim Berners Lee obteve a indexação de páginas, criando a web com base nos escritos de um visionário chamado Vannevar Bush, e em seguida Alan Turing aperfeiçoou o motor de busca[16]. Neste mesmo ano foi fundado o Yahooo, assim como a Amazon. O Google só foi criado em 1998, e o Youtube em 2005.
O que se quer dizer com isso é que nesses 26 anos – desde a redação atual do art. 62, inciso I da CLT até o presente momento – a evolução da teconologia permitiu que de fato houvesse possível controle sobre grande parte das atividades da vida diária, ao ponto de o celular anotar os nossos roteiros ao longo do mês, ainda que ausente registro de pedido do usuário.
Em recente artigo, o juiz Rodrigo Trindade abordou a falácia da impossibilidade do controle de jornada em se tratando de teletrabalho ao argumento de que a evolução tecnológica permite o controle à distância[17]. E o faz com razão, no que tange à aventada possibilidade.
A questão é que não se deve colocar holofotes na possibilidade de acompanhamento da jornada, afinal na sociedade da informação quase tudo é passível de controle.
A análise tem que estar calcada na efetiva existência de controle ou determinação de cumprimento de horários fixos, sem autogerenciamento.
Isso porque há a desterritorialização do trabalho, desmaterialização da produção, além da diminuição da fronteira entre o privado e o profissional, mormente quando as atividades são realizadas por meio da telemática em conceito de anywhere office, ou seja, escritório (trabalho) de qualquer lugar.[18]
Sem o controle por parte do empregador, o trabalhador é dono do seu próprio relógio, ditando a sua jornada, de acordo com o seu biorritimo, de acordo com a sua conveniência e oportunidade, atuando com autonomia e liberdade visando a consecução do objeto contratado.
Basta um dispositivo móvel e o trabalho é carregado para onde for mais conveniente, tal como o lavoro agile, em Itália.[19]
Na esteira do empoderamento do trabalho de qualquer lugar, Barbados divulgou programa de visto, em fase final de ajustes, que anuncia que a ilha localizada no Caribe está esperando trabalhadores de partes distintas do mundo para teletrabalhar de lá durante um ano, usufruindo de paradisíacas praias, em território COVID-19 free.[20]
Em suma, o art. 62, inciso III da CLT, em sua literalidade reflete o DNA do regime de teletrabalho ao enquadrá-lo na exceção do controle de jornada, e mais do que isso, sem a condicionante da possibilidade ou não de controle de jornada, afinal parece existir tecnologia para controlar a jornada do teletrabalhador em qualquer lugar, até mesmo na conjetura de ano de trabalho em Bermudas.
2.4. Registro de horários
Inobstante o autogerenciamento que é da essência do teletrabalho, recomenda-se cautela diante dos riscos de a jurisprudência se inclinar pela tese da possibilidade de controle de jornada como apta a excluir a aplicação do art. 62, inciso III da CLT.
Havendo, pois, a possibilidade de controle de jornada – especialmente quando da existência de conexão permanente on line – torna-se aconselhável que o empregador avalie a possibilidade de limitar a extensão da jornada e predeterminar os horários de trabalho, inclusive bloqueando acesso fora dos horários contratados.
Ademais, por evidente se o teletrabalho presencial predominar, ou os horários de trabalho permanecerem sendo cumpridos exatamente tal como contratados e fiscalizados, a recomendação é de manutenção do regime de controle.
Singelo exemplo pode ser observado no teleatendimento, afinal não é o fato de o trabalho ser realizado de forma descentralizada, por meio da telemática, que o conduz à isenção de controle de jornada, na medida em que é senso comum que o teleatendente possui horário certo e determinado para atendimento dos chamados.
Com efeito, se houver controle de jornada ou determinação de cumprimento de horários fixos, não será aplicável o art. 62, inciso III da CLT, até porque nada impede que o empregador estabeleça controle de jornada e remunere as horas extras.
Acresça-se que tramita no Congresso projeto de lei que pretende revogar o art. 62, inciso III da CLT, de tal sorte que a realização de teletrabalho, ainda que preponderante, se aprovado o PL 3512, de 2020, terá controle das horas trabalhadas, de modo diverso ao espírito desse regime de trabalho que é de autogerenciamento.
A título ilustrativo, na linha do PL 3512, cabe fazer rápido sobrevoo no direito comparado, em especial em algumas das legislações estrangeiras que mantém o controle de jornada, quando do exercício do teletrabalho.
Em Colômbia, por sinal, quando há possibilidade de controle de jornada, e o empregado labora em quantidade superior à normal ou em finais de semana, este possui o mesmo direito que os demais trabalhadores às horas extras, nos termos do art. 6º, parágrafo único, do Código Sustantivo del Trabajo y de la Seguridad Social [21]
Portugal mantém o controle e apontamento das horas quando em regime de teletrabalho, tal como previsto nos arts. 165 e 169 do Código do Trabalho lusitano.
Em Bolívia, durante a pandemia do COVID-19, foi editado o Decreto Supremo 4218, que prevê em seu art. 7º, que o teletrabalhador deverá cumprir com a jornada efetiva de trabalho nos horários previstos pelo empregador ou entidade pública, não podendo exceder às horas estabelecidas.[22]
2.5. Jornada: MP 927 durante e pós-caducidade
A MP 927 trouxe contornos flexibilizadores ao regime de teletrabalho, forte do art. 4º, §5º da MP 927, que prevê que
“o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.”
Tal dispositivo deve ser visto com alguma reserva, afinal as medidas limitadoras de direito devem ser lidas de modo restritivo. Assim, se faz necessária alguma cautela na aplicação.
A título exemplificativo, o empregador deve ter o cuidado de não confundir o uso de aplicativos pelo empregado ou ocasional encaminhamento de correios eletrônicos fora do horário de trabalho, com a realização de trabalho constante por meio de aplicativos ou outros meios de comunicação em horário diverso do contratado.[23]
Isso porque, ainda que isento do controle de jornada (se assim o for), há de se ter precaução com o respeito aos dias de descanso semanal remunerado e feriados, e mesmo às jornadas diárias não se ativando no labor como se não houvesse amanhã. Deve-se observar, pois, o direito de desconexão, entendido como tal direito ao lazer e ao descanso em oposição ao trabalho.
O mesmo se diga quanto ao regime de plantão – mormente quando da manutenção de regime de plantão já ordinário – afinal, se o empregado permanecer em regime de plantão fixo, cabendo ser chamado a qualquer tempo, abre-se ampla possibilidade de ser caracterizada a hora de sobreaviso, nos termos da Súmula n. 428 do TST.
E tal regra ainda se torna mais forte na hipótese de aplicação do art. 6º da CLT, quando não caracterizado o regime de teletrabalho nos termos do art. 75-B da CLT.
Outrossim, por força do art. 4º, inciso II da MP 927, se o empregado tiver sido encaminhado para casa, seja em razão do regime de quarentena previsto pelo art. 3º, inciso II da Lei 13.979, seja por liberalidade do empregador, sem que tenha a condição tecnológica de realizar o teletrabalho, ficará isento do cumprimento da jornada, sem prejuízo do salário, afinal se encontrará à disposição do empregador, consoante art. 4º da CLT.
Com a caducidade da MP 927, a partir de 20.07.2020, mantém-se a validade e eficácia das regras nesta previstas para aqueles que praticaram o ato ao tempo da sua vigência, observando a máxima “o tempo rege o ato”.
Para a contunuidade das regras da MP, pós-caducidade, quando se trata de prestações sucessivas, é recomendável firmar negociação coletiva disciplinando a manutenção das condições estabelecidas na vigência da MP 927, com base no art. 611-A da CLT.
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O que projetar?
Os números do teletrabalho crescem globalmente, ao ponto de mesmo antes do COVID-19 já representarem 10% dos trabalhadores de todo o mundo diariamente. A título exemplificativo, mais da metade dos indianos já laboravam em regime de teletrabalho, e 34% da população da Indonésia.
Nos Estados Unidos da América eram 3 milhões em 1990, passando para 10 milhões em 1997, e mais de 70 milhões de teletrabalhadores em 2018 diante do forte impulso após os atentados de 11 de setembro de 2001.[24]
No Brasil, 45% das empresas já adotavam o teletrabalho antes do COVID-19[25], representando contingente de mais de 15 milhões de teletrabalhadores.
O mundo corporativo já percebeu os benefícios que o regime de trabalho à distância oferece em termos de produtividade e redução de gastos com mobiliário, luz, aluguel e outras despesas administrativas, assim como teletrabalhadores perceberam as vantagens do modelo na aproximação com o núcleo familiar e ganho do tempo usualmente utilizado para o deslocamento.[26]
O que se projeta a partir da experiência que o COVID-19 propiciou é a reformulação de escritórios, que deverão ter postos de trabalho a serem ocupados em rodízio, com a inserção do teletrabalho de um a três dias na semana.
Tanto assim o é que o Facebook já anunciou a expectativa de que metade da sua equipe trabalhe à distância na próxima década[27], assim como o Presidente da Petrobrás anunciou ser viável trabalhar com 50% do efetivo nos escritórios.
Como resultado desse cenário, estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicou que deve crescer em 30% o número de empresas que dará preferência ao regime de home office.[28]
Na outra ponta, estudo da Fundação Dom Cabral (FDC) com a Grant Thornton que envolveu 705 profissionais, indicou que 54% destes irão pedir aos gestores para trabalhar remotamente após a crise.[29]
Há forte tendência, pois, de adoção do teletrabalho em regime part time, ou seja, parte do tempo de forma descentralizada, e não full time, tal como fomos levados de supetão durante o enfrentamento do estado de calamidade pública a fim de enfrentar o COVID-19.
Nessa condição, observada a regra do art. 75-B da CLT, não se cogita de isenção de controle de jornada se o teletrabalho não for preponderante, ou seja, se a maior parte das atividades não for descentralizada, por meio da telemática.
Fechamento
A essência do teletrabalho é de ausência de controle, não podendo servir a possibilidade de controle como justificativa para a perda do direito do trabalhador ao autogerenciamento do tempo, aproximando-se do núcleo familiar e regendo as suas atividades de acordo com a sua conveniência e oportunidade.
Valendo-me da crônica de crônica de Maurício Moura, que ao citar personagem lusitano que vivia em meio ao luxo de Paris, torna a cidade pequena, descobrindo ali a verdadeira felicidade, concluindo:
“quem sabe descobrirão o mesmo caminho do personagem lusitano: que a felicidade pós-corona pode ser encontrada bem distante da civilização. Bastará um bom acesso à internet e o mundo estará sempre aberto. Entraremos na era do teletrabalho.”[30]
[1] Doutor, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor nos cursos de Pós-Graduação da Escola da Magistratura do Trabalho da Nona Região – Ematra IX, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR; Universidade Positivo, Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst; Instituto Superior de Administração e Economia – ISAE; Universidade Curitiba – Unicuritiba; ESA/OAB; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ); Membro da Comunidad para la Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional; Coordenador do Conselho de Relações Trabalhistas da Associação Comercial do Paraná; Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH/PR); Diretor Jurídico da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; Vice-Presidente da Comissão da Agenda 2030 do Instituto dos Advogados Brasileiros; Presidente do Instituto Mundo do Trabalho – IMT; Sócio fundador Célio Neto Advogados.
[2] BRASIL. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <www.ilo.org>. Acesso em jul/ 2020.
[3] Nesse sentido leciona Mauricio Godinho Delgado […] 1) o tradicional trabalho no domicílio, há tempos existente na vida social, sendo comum a certos segmentos profissionais, como as costureiras, as cerzideiras, os trabalhadores no setor de calçados, as doceiras etc.; b.2) o novo trabalho no domicílio, chamado home-office, à base da informática, dos novos meios de comunicação e de equipamentos convergentes; b.3) o teletrabalho, que pode se jungir ao home-office, mas pode também se concretizar em distintos locais de utilização dos equipamentos eletrônicos hoje consagrados (informática, internet, telefonia celular etc.). In: DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 1023.
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452compilado.htm. Acesso em jul/20.
[5] nomeadamente: a) concordância do trabalhador, mediante aditivo, para labor em regime descentralizado por meio da comunicação e informação (art. 75-C, §1º); b) contrato escrito contendo rol de atividades (art. 75-C); c) quanto à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para o trabalho remoto, bem como a previsão escrita quanto ao reembolso das despesas arcadas pelo empregado (art. 75-D); d) instruções expressas e ostensivas quanto às precauções a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, cabendo ao empregado assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a cumprir as instruções fornecidas pelo empregador (art. 75-E); e) isenção de controle de jornada (art. 62, III).
[6] Com o cuidado de manter o sentimento de pertencimento, age bem o legislador ao prever que o comparecimento do trabalhador à sede da empresa não descaracteriza o regime de teletrabalho.
[7] DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Entrevista a Maria Serena Palieri; tradução de Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
[8] AGUIAR, Antonio Carlos. Negociação Coletiva de trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 25.
[9] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Resolucao677.pdf. Acesso em jul/20
[10] OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Em regime de teletrabalho, o empregado sempre estará isento do controle de jornada? Há risco de condenação em horas extras? In: Perguntas e respostas sobre a lei da reforma trabalhista: obra coletiva por ocasião dos 2 anos da Lei n. 13.467/2017 / Ricardo Calcini, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, coordenadores. – São Paulo: LTr, 2019, pág. 183.
[11] OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Lei 13.467: Flexibilidade, Simplificação e Outras Repercussões na Jornada de Trabalho. In: Reforma Trabalhista: aspectos jurídicos. Antonio Carlos Aguiar, coordenador. São Paulo: Quartier Latin, 2017.
[12] OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. São Paulo: LTr Editora, 2018.
[13] Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994)
III – os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)
Parágrafo único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento). (Incluído pela Lei nº 8.966, de 27.12.1994
[14] Texto adaptado, de OLIVEIRA NETO, Celio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação . Sâo Paulo: Editora LTR, 2018.
[15] REFORMA TRABALHISTA — ART. 62, INCISO III/CLT — CONTROLE EFETIVO DA JORNADA. NOS CASOS EM QUE FOR POSSÍVEL O ACOMPANHAMENTO OU CONTROLE INDIRETO DA JORNADA DE TRABALHO PELO EMPREGADOR, AINDA QUE POR MEIOS INFORMATIZADOS OU TELEMÁTICOS, O PRINCÍPIO DO CONTRATO REALIDADE IMPÕE A INTERPRETAÇÃO DO DISPOSITIVO EM EPÍGRAFE DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 7º, INCISO XIII DA CF/88, ART. 7°, “D” DO PIDESC E DO ART. 7º “G” PROTOCOLO DE SAN SALVADOR, GARANTINDO AO TRABALHADOR O DIREITO ÀS HORAS EXTRAS TRABALHADAS.
[16] Alan Turing (que será homenageado com a impressão de sua face na cédula de 50 libras), já havia auxiliado os ingleses a decifrar os códigos usados pelos alemães na Segunda Grande Guerra.
[17] http://revisaotrabalhista.net.br/2020/07/05/teletrabalho-panotipo-e-grande-irmao-programas-e-aplicativos-desmentem-o-mito-da-impossibilidade-de-controle-de-jornada-mas-reavivam-duas-perigosas-alegorias/. Acesso em jul/20.
[18] Esclarece-se que o fato de o trabalho ser prestado em domicílio, por si só, não representa teletrabalho, caso não se faça presente a comunicação e informática.
[19] Il lavoro agile (o smart working) è una modalità di esecuzione del rapporto di lavoro subordinato caratterizzato dall’assenza di vincoli orari o spaziali e un’organizzazione per fasi, cicli e obiettivi, stabilita mediante accordo tra dipendente e datore di lavoro; una modalità che aiuta il lavoratore a conciliare i tempi di vita e lavoro e, al contempo, favorire la crescita della sua produttività. In: https://www.miur.gov.it/lavoro-agile. Acesso em jul/20.
[20] https://www.clarin.com/viajes/home-office-paraiso-isla-caribe-ofrece-hacer-trabajo-remoto-playas_0_jy-9trTFU.html. Acesso em jul/20.
[21] PARÁGRAFO. Cuando el teletrabajo sea ejecutado donde sea verificable la jornada laboral, y el teletrabajador a petición del empleador se mantiene en la jornada laboral mas de lo previsto en el artículo 161 del Código Sustantivo del Trabajo y de la Seguridad Social, o le asigna más trabajo del normal, el pago de horas extras, dominicales y festivos se le dará el mismo tratamiento de cualquier otro empleado. Disponível em: <https://www.mintic.gov.co/portal/604/articles-3703_documento.pdf>.
[22] https://boliviaemprende.com/wp-content/uploads/2020/04/sample-2.pdf. Acesso em jul/20.
[23] OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Em regime de teletrabalho, o empregado sempre estará isento do controle de jornada? Há risco de condenação em horas extras? In: Perguntas e respostas sobre a lei da reforma trabalhista: obra coletiva por ocasião dos 2 anos da Lei n. 13.467/2017 / Ricardo Calcini, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, coordenadores. – São Paulo: LTr, 2019, pág. 183.
[24] OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. São Paulo: LTr Editora, 2018.
[25] Dados da pesquisa Home office 2018: SAP
[26] Maiores informações em: OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Trabalho em ambiente virtual: causas, efeitos e conformação. São Paulo: LTr Editora, 2018, p.99 e ss.
[27] https://brasil.elpais.com/tecnologia/2020-05-22/facebook-espera-que-metade-da-sua-equipe-trabalhe-a-distancia-na-proxima-decada.htm. Acesso em jul/20.
[28] https://webitcoin.com.br/covid-19-pode-mudar-permanentemente-a-forma-como-trabalhamos-hoje/. Acesso em jul/20.
[29]https://valor.globo.com/carreira/noticia/2020/05/01/funcionarios-desejam-continuar-no-home-office-apos-pandemiadizestudo.ghtml?utm_campaign=Resumo+Semanal+08%2F05%2F2020&utm_content=Funcion%C3%A1rios+desejam+continuar+no+home+office+ap%C3%B3s+pandemia%2C+diz+estudo+%7C+Carreira+%7C+Valor+Econ%C3%B4mico+%281%29&utm_medium=email&utm_source=EmailMarketing&utm_term=Resumo+Semanal+08%2F05%2F2020+%28FENAJORE-SP%29>
[30] https://piaui.folha.uol.com.br/tecnologia-e-as-serras-teletrabalho-na-pos-pandemia/. Acesso em jul/20.