Artigo: Condições para redução salarial via negociação coletiva
CONDIÇÕES PARA REDUÇÃO SALARIAL VIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
ANÁLISE DO ACÓRDÃO TST-RR-1322-04.2010.5.01.0050
Célio Pereira Oliveira Neto[1]
OBJETIVO
O presente artigo tem por objetivo apresentar breve análise do acórdão TST-RR-1322-04.2010.5.01.0050, que trata da invalidade da redução salarial via negociação coletiva, quando ausente contraprestação em favor do empregado, apontando fundamentos e requisitos que, se cumpridos, poderiam conduzir o julgamento a resultado diverso.
- RESUMO DO CASO
Em data de 28 de outubro de 2015, nos autos TST-RR-1322-04.2010.5.01.0050, por meio de acórdão de lavra do Ministro Relator Douglas Alencar Rodrigues, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu por não conhecer do recurso de revista da Souza Cruz S/A, mantendo a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) que não conferiu validade à negociação coletiva que reduziu salário de empregados. Assim o fez, em apertada síntese, em razão da aparente inexistência de previsão de contraprestação equivalente em favor dos empregados, o que é da essência da negociação coletiva nos termos do art. 613, inciso VII da CLT[2] que prevê o estabelecimento de direitos e deveres dos empregados e das empresas.
A negociação firmada com o sindicato representante da categoria profissional previa a redução de 12% dos salários, assim como expressamente determinava em favor dos empregados da Souza Cruz S/A: (I) a majoração da base de cálculo da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), que passava de 1,5 para 2,7 salários nominais; (II) a concessão de gratificação-especial de 1,4 salário-base em dezembro de 2002.
Segundo defendeu a Souza Cruz, sequer haveria necessidade de previsão de contrapartida em favor dos empregados, eis que bastaria o acordo coletivo de trabalho, devendo-se respeitar a autonomia da vontade coletiva, que deriva de outorga constitucional por força do art. 7º, inciso VI da CF[3].
Para o TRT/RJ, no entanto, a hipótese de redução de salário é uma exceção à regra, devendo ser interpretada de maneira restritiva, e somente validada quando da existência de concessões recíprocas expressamente vinculadas ao direito.
A relevância dessa matéria – como bem reconhecido pelo TST – deriva do alcance do poder negocial coletivo. Consoante consignado no acórdão de lavra da 7ª Turma, não se pode pactuar de modo a atingir padrões mínimos de proteção ao trabalho, nos termos do art. 444 da CLT[4], principalmente porque o art. 7º da CF representa a melhoria da condição social do trabalhador, de tal arte que a negociação coletiva só pode retirar direitos em situações excepcionalíssimas. Com base em autorizada doutrina[5], o acórdão do TST sustenta que, no direito do trabalho não se aplica o critério da supremacia da Constituição e da hierarquia das demais normas, pois prevalece a regra mais vantajosa ao trabalhador.
- AUTOCOMPOSIÇÃO NA ORDEM CONSTITUCIONAL
O reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva se dá mediante a outorga pelo Estado aos agentes coletivos para estabelecimento de condições de trabalho, e figura como um dos alicerces da Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.[6] A autonomia privada coletiva outorgada às partes[7] encontra abrigo em um Estado democrático de direito, descentralizador, que entende que os agentes coletivos sabem melhor do que ninguém quais são as suas reais necessidades e anseios.
As normas coletivas possuem diferentes formas de aplicação, de acordo com o modelo escolhido como predominante por cada Estado. O Brasil adota o padrão da exclusividade – reserva legal – cabendo à legislação definir o campo de atuação dos entes coletivos. Tal molde, no entanto, combina-se com o da suplementaridade, de sorte que a norma coletiva pode ampliar direitos melhorando as condições de trabalho.
Nessa linha, segundo o Princípio da Adequação Setorial Negociada – de que trata Maurício Godinho Delgado – o negociado pode até prevalecer frente o legislado, desde que sejam estabelecidos padrões superiores aos previstos na legislação estatal, ou essas normas representem parcelas de indisponibilidade relativa, e não absoluta de direitos.[8]
A autocomposição está expressamente regulamentada no art. 7º, inciso XXVI da CF, que prevê o “reconhecimento das convenções e coletivos de trabalho”. Cumprindo os preceitos constitucionais, o TST tem conferido valor à autonomia das partes na negociação coletiva, sem que isso represente uma carta branca para se negociar direitos indisponíveis. Significa dizer, a Corte Trabalhista não se imiscuirá nas negociações dos entes coletivos, salvo quando desrespeitado o patamar mínimo civilizatório estabelecido pelo art. 7º da CF. Tal regra deriva da própria leitura sistêmica da Carta Maior.
A ordem constitucional privilegia, pois, a autonomia coletiva, e permite em caráter excepcional, até mesmo a redução de direitos, inclusive a diminuição de salário em situações que se busque salvaguardar direito fundamental de peso ainda maior, tal como o próprio emprego.
- CONCLUSÕES
No caso analisando, percebe-se que a negociação coletiva poderia prever a redução do salário dos empregados, desde que, concomitantemente: (I) fosse acompanhada de proporcional redução da jornada; (II) houvesse situação excepcional a justificar a medida, tal como grave risco de dispensa de trabalhadores; (III) tal situação tivesse um prazo determinado e razoável de ocorrência, não podendo se prorrogar além dos limites temporais estabelecidos.
Soma-se aos requisitos supra apontados, que o Programa de Participação nos Lucros e Resultados não se presta para compensar créditos salariais, pois trata de verba não só condicionada a evento futuro e incerto, como também desprovida de caráter salarial, tanto que não gera qualquer incidência previdenciária, somente retenção de IR na fonte com base em tabela própria, e separada dos demais rendimentos tributáveis. Ademais, não se visualiza com clareza se o abono salarial previsto se prestaria a compensar de modo equitativo a redução de salário apontada, situação que teria de ser provada nas instâncias ordinárias por força da aplicação da Súmula 126 do TST.
A título argumentativo, observa-se que à época da negociação coletiva firmada pela Souza Cruz S/A – sob a ordem infraconstitucional – em tese poderia ser aplicada a Lei 4.923/65 que, em cenário de conjuntura econômica desfavorável, permitia a negociação coletiva para redução até 25% do salário contratual, limitado ao máximo de 3 meses.[9] Atualmente vige o malfadado, e repleto de condicionantes Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que tem por escopo a preservação de empregos em momento de retração econômica, mirando o favorecimento da recuperação econômico-financeira das empresas e o fomento à negociação coletiva, permitindo a redução de até 30% da jornada mediante diminuição proporcional do salário[10], ficando proibida a dispensa arbitrária ou sem justa causa no período equivalente à adesão ao PPE acrescido de 1/3 deste período.
Todavia, sob o viés constitucional sequer há necessidade de tal disposição legal, pois, os entes coletivos já gozam de outorga estatal que lhes confere liberdade para negociar até mesmo a redução de salários, desde que observados os requisitos apontados ao curso desta breve exposição.
Por fim, insta registrar que em cenário de direito privado constitucionalizado – a juízo do que subscreve o presente artigo – não carece de recorrer ao art. 444 da CLT, ou mesmo verificar se disposições de caráter infraconstitucional seriam mais benéficas ao trabalhador, pois, a leitura deve ser voltada à ordem constitucional que já enuncia como regra o princípio da progressividade dos direitos sociais (art. 7º, caput), que a seu turno admite concessões recíprocas, tal como já previsto pela Carta Maior.
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, Antonio Carlos. Negociação Coletivo de trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito Sindical, 3ª edição. São Paulo: LTr, 2009.
DELGADO, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho, 3ª edição. São Paulo: LTr, 2008.
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Negociação Coletiva e Contrato Individual de Trabalho. São Paulo, Atlas, 2001.
MEIRELLES, Davi Furtado. Negociação Coletiva no Local de Trabalho: a experiência dos metalúrgicos do ABC, São Paulo: LTr, 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. São Paulo: LTr, 2003.
OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Cláusula de não concorrência no contrato de emprego: efeitos do princípio da proporcionalidade. São Paulo: LTr, 2015.
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das Normas Coletivas. São Paulo: LTr, 2007.
SCUDELER NETO, Julio Maximiliano. Negociação Coletiva e Representatividade Sindical, São Paulo: LTr, 2007.
[1]Advogado, Doutorando, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor nos cursos de Pós-Graduação da Ematra IX – Escola da Magistratura do Trabalho da Nona Região, PUC/PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Universidade Positivo; Vice-Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/PR, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), Sócio da Célio Neto Advogados.
[2] O acórdão menciona art. 612, inciso VII, todavia, certamente trata-se de erro material, na medida em que é o art, 613 que se refere aos requisitos obrigatórios dos acordos e convenções e coletivas de trabalho, dentre os quais o estabelecimento de direitos e obrigações, nos termos do inciso VII.
[3] Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI – irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
[4] Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas e tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes seham aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
[5] Amauri Mascaro Nascimento e Arnaldo Sussekind.
[6]É bem verdade que, dentre os princípios da OIT também consta a liberdade sindical, situação incompatível com a unicidade sindical e imposto sindical compulsório vigentes no Brasil, por força do art. 8º, inciso II da CF.
[7] DELGADO, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho, 3ª edição. São Paulo: LTr, 2008.155/156.
[8] Vale mencionar que o art. 503 da CLT prevê, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução provisória de até 25% do salário contratual. Todavia, tal dispositivo não trata da redução da jornada e nem exige a presença do sindicato, de sorte que, ao menos em parte não foi recepcionado pela CF/88.
[9] sendo que o FAT arca com 50% do valor da redução.