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Dez anos de vigência da Lei de Falências e Recuperação de Empresas e a crise

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Dez anos de vigência da Lei de Falências e Recuperação de Empresas e a crise

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A Lei de Falências e Recuperação de Empresas completou 10 anos de vigência. Não há dúvida quanto ao significativo avanço do referido diploma legal quando contraposto ao regime anterior, que vigorou no Brasil por quase 60 anos.

Ao completar uma década de vigência, a lei atual passa por seu grande teste em matéria de recuperação de empresas. E, ao que tudo indica, não será fácil. No estágio atual, percebe-se que algumas mudanças legislativas seriam necessárias para dar maior previsibilidade aos processos que visam à superação do estado de crise econômico-financeiro dos empresários, o que dificilmente será apreciado pelo Poder Legislativo nacional em razão da crise política enfrentada pelo atual governo.

Antes de indicar mudanças que nos parecem úteis para que a nossa Lei sobreviva à prova imposta pelo cenário econômico, cumpre destacar fato importante: as proposições de reforma das leis de insolvência, em momentos de crise econômica, são uma realidade internacional. Tanto é assim que, como reflexo da crise de 2008, praticamente todos os países do continente europeu aprovaram mudanças legislativas importantes voltadas a aprimorar as respectivas leis de regência.

O primeiro ponto falho da nossa lei está na omissão de qualquer tratamento voltado à disciplina da recuperação dos grupos societários, inclusive para as situações em que há sociedades estrangeiras envolvidas. O Poder Judiciário conseguiu, até o momento, solucionar adequadamente a omissão legislativa, porém o mercado teria muito a ganhar em termos de segurança jurídica com uma previsão específica e detalhada possibilitando a recuperação conjunta de entidades juridicamente autônomas, mas com atividades interdependentes.

O segundo ponto que merece destaque é o engessamento derivado da tipificação legal das classes de credores, o que tem impedido a aprovação de planos desenhados à efetiva recuperação de empresas com perfis de endividamento específicos, em razão dos interesses heterogêneos que compõem cada qual das quatro classes legalmente previstas.

Mesmo no caso dos titulares de créditos trabalhistas podemos identificar interesses heterogêneos entre aqueles que permanecem vinculados a empresas e aqueles titulares de créditos oriundos de acidentes de trabalho ou que possuem créditos a receber, mas não mais integram o quadro funcional. Perceba-se, por exemplo, que os titulares de créditos quirografários podem ter interesses antagônicos quanto à recuperação (p.ex., o interesse do mutuário-credor é diverso do interesse do fornecedor-credor). O mesmo ocorre com as outras duas categorias, que podem congregar pessoas interessadas na efetiva recuperação da empresa em crise, ainda que no longo prazo, juntamente com outras preponderantemente interessadas na satisfação imediata do crédito.

Por essa razão, em alguns países tem-se outorgado ao próprio devedor recuperando a possibilidade de definir as classes segundo as posições jurídicas e interesses econômicos homogêneos do credor, como ocorre na Itália.

Além desse problema, a aprovação de planos poderá enfrentar outra dificuldade derivada do quórum para aprovação definido na lei.

Com efeito, o plano de recuperação deverá ser aprovado por todas as classes, observados os critérios legais. Nas classes dos trabalhistas e dos micro ou pequenos empresários o voto é por cabeça, sendo aprovado pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor do crédito; nas demais classes o voto é proporcional ao valor do crédito, mas precisa ser aprovado pela dupla maioria (credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e representativos da maioria simples dos credores).

Não se desconhece a possibilidade do chamado cram down, qual seja, o poder do juiz de conceder a recuperação judicial com base em plano que não alcançou a referida aprovação, mas obteve, de forma cumulativa: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes e (ii) a aprovação de duas das classes de credores nos termos do art. 45 da Lei ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas. Isso, se na classe que houver rejeitado o plano, tenha havido a concordância de mais de um terço dos credores.

É desnecessário dizer que os referidos critérios dificultam a aprovação de planos de empresas com perfis de endividamento específicos, que precisariam: (i) de maior maleabilidade na estruturação dos planos e (ii) flexibilização das classes de credores, a fim de possibilitar a composição dos interesses.

Para além da reforma legislativa, nosso país precisa evoluir no que diz respeito à aceitação das crises econômico-financeira como circunstância natural do modelo capitalista. De um lado, abandonando as sanções “morais” que penalizam os empresários e, de outro, facilitando a reinserção de falidos no mercado e o acesso das empresas em recuperação judicial ao crédito. A visão distorcida das crises e uma presunção velada de culpa dos empresários pelo insucesso da atividade se reflete no Poder Judiciário através da utilização equivocada da desconsideração da personalidade jurídica ou extensão dos efeitos da falência aos sócios e administradores da empresa.

Matéria publicada no Jornal Gazeta do Povo por Luiz Daniel Haj Mussi, mestre e doutor em Direito Comercial pela USP. Professor Adjunto de Direito Empresarial da UFPR no Curso de Administração, é advogado. SABRINA MARIA FADEL BEC UE, mestre e doutoranda em Direito Comercial pela USP, é advogada.

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