Participação nos Resultados para os Empregados do Terceiro Setor
Participação nos Resultados para os Empregados do Terceiro Setor
Célio Pereira Oliveira Neto
Advogado, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP.
1 OBJETO
O presente estudo tem por objeto propor uma reflexão sobre o possível direito constitucional dos empregados do terceiro setor à participação em programa de resultados.
2 NORMA CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal em seu art. 7º, XI, prescreve:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[…]
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.”
Como se nota, a norma constitucional não faz distinção de qualquer natureza, quanto aos trabalhadores que podem ou não participar de programa de resultados.
3 LEI 10.101/2000
A fim de regulamentar a norma constitucional, foi editada a Lei 10.101/2000, que é fruto de inúmeras e sucessivas medidas provisórias tratando do tema. Tem por escopo a implantação efetiva do comando constitucional, e se revela como a mais potente ferramenta para obtenção de perfeita sinergia em uma relação entre capital e trabalho.
Nos dizeres de Paulo Sérgio João:
“… é utilizada como forma de gestão empresarial, revolucionária, quanto ao aspecto da renovação da mentalidade empresarial e transformadora, quanto ao arcaico modelo da relação de trabalho em que empregados e empregadores se digladiam cegamente, sem observar que existe uma dependência recíproca de ambos.”
A Lei 10.101 consigna as formas de apuração para programa de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa. Disciplina em seu art. 2º, §1º e incisos, que podem ser considerados os seguintes critérios: I – índice de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa; II – programa de metas, resultados e prazos, pactuados previamente. Destarte, os programas disciplinados pela Lei 10.101/2000 podem ser classificados como: participação nos lucros (lucratividade), participação nos resultados (operacionais) e participação nos lucros e resultados (lucratividade e resultados operacionais).
4 EXCLUSÃO DAS ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS
Há uma diferenciação apresentada pela Lei 10.101, que exclui as entidades sem fins lucrativos da participação em programa de lucros e resultados.
“§ 3º Não se equipara a empresa, para os fins desta Lei:
I – a pessoa física;
II – a entidade sem fins lucrativos que, cumulativamente:
a) não distribua resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, administradores ou empresas vinculadas;
b) aplique integralmente os seus recursos em sua atividade institucional e no País;
c) destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades;
d) mantenha escrituração contábil capaz de comprovar a observância dos demais requisitos deste inciso, e das normas fiscais, comerciais e de direito econômico que lhe sejam aplicáveis.”
A expressa exclusão das entidades sem fins lucrativos faz com que os empregados destas não participem dos lucros ou dos resultados das entidades do Terceiro Setor. É evidente que não há como os empregados de entidades do Terceiro Setor participarem dos lucros, na medida em não há distribuição de lucros nestas entidades. Porém, estas podem ter resultados operacionais – entendidos como tais, os alcances dos objetivos à que se propõe, que podem ser estabelecidos através de programa de metas.
Vê-se, na espécie, possível discriminação e/ou possível tratamento não isonômico, haja vista que a norma infraconstitucional está excluindo os empregados de entidades do terceiro setor da participação em programa de resultados.
Para tratar dessa exclusão, primeiro faz-se necessária uma breve explanação no que tange aos seguintes aspectos: diferença entre lucro e resultado, programa de metas e engajamento dos trabalhadores em programa de metas.
5 DISTINÇÃO ENTRE LUCRO E RESULTADO
Há de se fazer uma necessária distinção entre lucro e resultado. Na definição de Jessé Alencar da Silva :
“o lucro nos termos dos PPLR é o contábil, que é encontrado no confronto direto das receitas, despesas e custos. Seu controle é efetuado através da escrituração nas respectivas contas contábeis refletido nas Demonstrações Contábeis […] e, o resultado diz respeito: ”ao alcance de metas relacionadas com a produtividade, qualidade e outros fatores pertinentes à realidade de cada empresa. Não implica obrigatoriamente a vinculação de ganho do ponto de vista contábil, podendo assumir diferentes aspectos de desafios na relação de trabalho.”
O lucro, portanto, é sempre contábil, ao passo que, por resultado, deve-se avaliar a questão operacional.
Sérgio Amad Costa, professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas na FGV/SP, em matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, distingue:
“é óbvio que não faz sentido entidades sem fins lucrativos distribuírem participação nos lucros aos seus empregados. Porém, tais programas de remuneração variável podem ser sobre lucro (parte contábil especificamente) ou sobre resultados, que a própria lei denomina por indicadores de qualidade, índices de produtividade, metas e objetivos. Portanto, seria perfeitamente viável uma entidade sem fins lucrativos pagar aos seus profissionais participação nos resultados.”
Tratam-se, pois, de figuras completamente distintas.
6 PROGRAMA DE METAS
O acordo coletivo de trabalho é o meio utilizado para que sejam firmados programas de participação nos resultados no âmbito das relações de trabalho.
Nos programas de metas instituídos por força de acordos coletivos de trabalho, têm se observado, comumente, a utilização como parâmetros de índices, tais como: produtividade, redução de desperdício, qualidade, observância de normas de segurança, absenteísmo, dentre outros. Se cumpridas as metas, os empregados fazem jus ao resultado operacional daí advindo (ou seja a paga da participação nos resultados), independente da empresa ter ou não auferido lucro. Clara, pois, a distinção entre lucro e resultado, estabelecida pela Lei 10.101/2000.
7 ENGAJAMENTO DOS TRABALHADORES
Nos programas de resultados há um diferenciado engajamento dos trabalhadores, que aumentam a preocupação em cumprir as metas que lhes são estabelecidas, a fim de fazer jus aos valores do prêmio previamente negociado.
No que tange à essa diferente dedicação, Fábio Campinho aduz:
“Ao contrário do que ocorre com a Participação nos Lucros, o engajamento dos trabalhadores, individualmente, por equipe, ou mesmo de toda a empresa, é mais facilmente visualizado como o fator que desencadeia ou não o recebimento da parcela. A interpelação do sujeito é mais direta e por isso a recente atenção que se dá à Participação nos Resultados como abrindo novas possibilidades de gestão do trabalho.”
8 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.101
8.1.- Prevalência Constitucional
Como exposto quando do início do presente estudo, a Constituição Federal não traz qualquer distinção quanto ao direito à participação nos resultados dos trabalhadores das empresas do Terceiro Setor. A problemática que se coloca, pois, diz respeito à possível inconstitucionalidade da vedação de distribuição de resultados aos empregados de entidades do Terceiro Setor.
A Constituição Federal prevalece sobre a legislação infraconstitucional, em decorrência do princípio da hierarquia vertical das normas.
Ao tratar das relações do direito do trabalho com outros campos do direito, Mauricio
Godinho Delgado escreve “o direito constitucional é campo decisivo no processo de inserção justrabalhista no universo geral do direito.”
Ao discorrer acerca da força da Norma Constitucional, Godinho pontua: “Ela é que confere validade – fundamento e eficácia – a todas as demais regras jurídicas existentes em determinado contexto jurídico nacional.” Mais adiante, finaliza, “a norma infraconstitucional será válida e eficaz desde que não agrida a comando ou princípio constitucional estabelecido.”
Um dos princípios que emerge da atual Carta Maior é o da dignidade humana, do qual decorrem os princípios da justiça social, da não discriminação e da equidade – esta última observada à luz da igualdade na lei, tratando-se os iguais de igual modo e, os diferentes de modo diverso, na proporção de suas desigualdades .
8.2.- Inexistência de distinção
Observa-se, contudo, na questão analisanda, que não há diferença de trabalho, se comparados os trabalhadores das empresas com fins lucrativos e as entidades sem fins lucrativos. Com efeito, a diferença restringe-se aos empregadores, não alcançando os empregados.
Ora, se os beneficiados com a participação nos resultados operacionais são os trabalhadores, a questão que se põe em análise diz respeito à possibilidade de se oferecer tratamento menos benéfico aos empregados do Terceiro Setor, e, a partir dessa situação avaliar se a exclusão destes da participação nos resultados, representa ou não violação aos princípios da equidade, não discriminação e justiça social.
8.3.- Justiça social
Para José Joaquim Gomes Canotilho, “o princípio da igualdade pode e deve considerar-se um princípio de justiça social.” , e ao comentar a Constituição de Portugal, sustenta:
“esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de justiça social e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Por outro, ela é inerente à própria ideia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) consagrada no artigo 13.º/2 que, deste modo, funciona não apenas como fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador de violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão).”
“Os princípios gerais do direito são as idéias fundamentais sobre a organização jurídica de uma comunidade, emanados da consciência social, que cumpre funções fundamentadoras, interpretativas e supletivas, a respeito de seu total ordenamento jurídico”.
8.4.- Eficácia jurídica do art. 7º, XI, CF
Do exposto, é necessário investigar se a Lei 10.101/2000 agride ou não a algum dos princípios constitucionais.
Para essa investigação, primeiro se faz imperioso averiguar a eficácia jurídica da norma trazida pelo art. 7º, inciso XI da CF, à luz das vertentes tradicional e moderna.
Sob a luz da vertente tradicional, Alice Monteiro de Barros pontua que, “nem todas as normas da Constituição da República são auto-aplicáveis, muitas dependem de leis ordinárias que as regulamentem, como ocorreu com aquela que assegura a participação dos empregados nos lucros”.
O art. 7º, inciso XI da CF trata de norma programática, porém, “como a lei já existe, pode-se afirmar que a norma deixou de ser programática, concretizando-se”. Sem o desejo de fazer qualquer classificação apressada, mas, meramente para fomentar o debate que se propõe, veja-se que o inciso XI do art. 7º da CF confere o direito à participação nos lucros ou resultados, conforme definido em lei. Segundo José Afonso da Silva, as principais características das normas programáticas são:
I – normas que têm por objeto a disciplina dos interesses econômicos-sociais, tais como: realização da justiça social e existência digna; valorização do trabalho; desenvolvimento econômico; repressão ao abuso do poder econômico; assistência social, intervenção do Estado na ordem econômica, amparo à família; combate à ignorância; estímulo à cultura, ciência e tecnologia.
II – São normas que não tiveram força suficiente para se desenvolver integralmente, sendo acolhidas, em princípio, como programa a ser realizado pelo Estado, por meio de leis ordinárias ou outras providências.
III – São normas de eficácia reduzida, não sendo operantes relativamente aos interesses que lhes constituem objeto específico e essencial, mas produzem importantes efeitos jurídicos…”
Assim, em um primeiro momento, pode-se tirar a apressada conclusão de que, à luz da vertente moderna, a eficácia da norma analisada seria contida, o que autorizaria a legislação infraconstitucional reduzir o seu alcance. Porém, “a assertiva de que as normas programáticas são tão jurídicas como as outras não basta para realçar sua relevância e função. Pontes de Miranda admite que elas procuram dizer para onde e como se vai, buscando atribuir fins ao Estado, esvaziado pelo liberalismo econômico.”
“O significado disso consubstancia-se no reconhecimento de que têm elas uma eficácia interpretativa que ultrapassa, nesse ponto, a outras do sistema constitucional ou legal, porquanto apontam os fins sociais e as exigências do bem comum, que constituem vetores da aplicação da lei.” A questão deve ser analisada, pois, à luz da interpretação teleológica da norma – interpretação do direito em que “o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º, da LICC) ou do interesse público (art. 8º da CLT).
Nessa linha, socorrendo-se dos ensinamentos de Godinho, percebe-se que a norma de caráter contido possui efeito esterilizante negativo sobre as normas infraconstitucionais que lhe sejam antitéticas ou incompatíveis. Dessa forma, cabe a análise, se, os direitos fixados na Norma Constitucional para os trabalhadores urbanos e rurais podem ou não ser restringidos pela legislação infraconstitucional – observando que a Carta Maior não distingue qualquer categoria de trabalhadores, e visa a melhoria da condição social.
Para Sidnei Machado, “o inciso XI do art. 7º da Constituição, ao assegurar entre os direitos dos trabalhadores a participação nos lucros, não faz qualquer restrição ou distinção a tipo de empresa.”
Paulo Sérgio João também entende pela possibilidade das entidades sem fins lucrativos implantarem o programa de participação nos resultados, dizendo tratar-se de uma faculdade destas, com o escopo de melhoria de qualidade ou resultados previamente definidos. “Justifica-se a observação pelo fato de que o direito assegurado pela Constituição Federal é amplo e genérico e não exclui os trabalhadores em relação à natureza da atividade empresarial do empregador. Trata-se de um direito assegurado a todos os trabalhadores e qualquer ato de restrição seria inconstitucional.”
8.5.- Art. 218, CF
E ainda, no capítulo IV da Carta Maior de 1988, ao tratar de políticas programáticas de incentivo à ciência e tecnologia, o constituinte inseriu o parágrafo 4º do art. 218 da CF, que traz uma norma de conteúdo programático, quando enuncia:
“A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.”
9 PLANO INFRACONSTTITUCIONAL
No plano infraconstitucional, é de se notar que o art. 3º da CLT considera emprega
do toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. E, de forma expressa o parágrafo único, em harmonia com os princípios da equidade, não discriminação e participação social enuncia: “Não haverá distinções relativamente à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.” Patente, pois, que o comando celetário, que tem caráter específico, abole qualquer espécie de discriminação relativamente à espécie de emprego e/ou condição do trabalhador. Daí se extrai que, se a análise ficasse restrita ao disposto na norma infraconstitucional específica, o trabalhador que mantém relação de emprego com empresas do terceiro setor não poderia deixar de gozar de iguais direitos que os empregados em empresas com fins lucrativos. Nem se alegue que o trabalhador doméstico recebe tratamento diferenciado, na medida em que essa distinção é constitucional, derivada de comando expresso do Parágrafo Único do art. 7º da Carta Magna.
O art. 2º da CLT conceitua a figura do empregador e, o parágrafo 1º deste equipara os profissionais liberais, as instituições de beneficiência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos à qualidade de empregador. Ocorre que a redação do parágrafo 1º do art. 2º da CLT é dirigida exclusivamente para fins da relação de emprego. Há distinção, pois, quanto ao tratamento tributário, fiscal e previdenciário dado às instituições sem fins lucrativos. Porém, isso não é novidade, e não parece representar óbice ao possível direito do empregado destas instituições auferirem participação nos resultados operacionais. Até porque, quem seria discriminado com tal interpretação seria o trabalhador destas instituições.
10 TERCEIRO SETOR
10.1.- Surgimento
O Terceiro Setor surgiu dada a ineficiência do Estado no cumprimento de todas as suas tarefas, e teve seu maior desenvolvimento, no Brasil, a partir de 1995, com a implantação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.
Os Estados Unidos da América pode ser apontado como o berço do surgimento do Terceiro Setor e, também o país onde este mais se desenvolveu, em razão de “uma cultura política voltada para o associativismo e o voluntarismo.”
“As administrações Reagan, Bush e Clinton conclamaram as empresas com fins lucrativos e as organizações do terceiro setor a assumir um papel maior na resolução dos problemas da sociedade, realçando que essa mudança de mãos das responsabilidades sociais está intensificando cada vez mais as exigências sobre os setores industriais e os setores sem fins lucrativos, pressionando-os a cooperar.”
10.2.- Conceito
Trata-se de setor que não é público, nem privado, e “a idéia é que nele se situem organizações privadas, sem o objetivo do lucro, dedicadas à execução de objetivos sociais ou públicos, sem as limitações do Estado e as ambições do mercado”.
A expressão terceiro setor é muito ampla, e segundo Luciana Medeiros Fernandes:
“não abarca apenas as instituições caritativas e filantrópicas, normalmente vinculadas a projetos religiosos, envolvendo também, a depender do autor que analise a temática, as organizações não-governamentais (ONG), as associações de moradores, as entidades sindicais, os clubes, as instituições culturais, os empreendimentos de solidariedade ou responsabilidade social de empresas privadas, os movimentos sociais organizados, as ações voluntárias (voluntariado), compreendendo, hodiernamente, as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público, criadas com a reforma do Estado brasileiro, além de uma pluralidade de outras iniciativas marcadas, em tese, pela não afetação ao lucro, mas, sim, à realização de objetivos de interesse social, geral ou coletivo.”
Fala-se até no Terceiro Setor como um novo ramo do direito, assim definido por Gustavo Oliveira:
“Ramo do direito que disciplina a organização e o funcionamento das entidades privadas sem fins lucrativos, as atividades de interesse público por elas levadas a efeito e as relações por elas desenvolvidas entre si, com órgãos e entidades integrantes do aparato estatal (Estado), com entidades privadas que exercem atividades econômicas eminentemente lucrativas (mercado) e com pessoas físicas que para elas prestam serviços remunerados ou não remunerados (voluntariado)”.
10.3.- Espécies
Dentro do gênero Terceiro Setor, identificam-se, como mais conhecidas, no direito pátrio, as seguintes espécies: organizações não governamentais, fundações de direito privado e associações civis, organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público.
10.4.- Comparativo com o paradigma americano
Traçando comparativo entre o sistema brasileiro e o americano, Simone de Castro Tavares sintetiza os seguintes aspectos – dentre outros:
“a) no caso brasileiro, o terceiro setor é dirigido à satisfação das necessidades da população carente; nos EUA, a clientela do terceiro setor são grupos sociais, incluam ou não os mais carentes, o que é a expressão da própria cultura americana; b) em ambos os países, as organizações do terceiro setor são eminentemente urbanas; c) o terceiro setor, no Brasil, sofre forte influência política e religiosa, enquanto nos EUA, está centrado em valores fundamentais sociais; d) a estrutural forma existente nas entidades americanas é mais integrada à instituição do que a das brasileiras, nas quais sua atuação tem mais o sentido de cumprir uma formalidade; e) no tocante aos profissionais que atuam no terceiro setor, nos EUA são mais qualificados e preocupados com o aspecto gerenciamento; no Brasil são menos qualificados e particularmente concentrados nas atividades-meio; f) o trabalho vonluntário é mais expressivo na realidade norte-americana.”
Do acima exposto, alguns aspectos chamam a atenção. O primeiro deles é a preocupação americana com o gerenciamento das atividades. Ou seja, não é porque se trata de trabalho sem fins lucrativos que não deva ocorrer gerenciamento, afinal sem administração não se pode atingir os fins à que se propõe. O segundo aspecto é que o trabalho americano é destinado ao alcance de valores fundamentais sociais. De onde se extrai que uma ferramenta gerencial contemporânea – como a participação nos resultados – que tem o poder de estimular uma equipe na busca de resultados, não pode ser desprezada. Se esta é largamente utilizada pelos empresários para consecução de objetivos econômicos, a princípio, nada justifica a ausência desse instrumento em entidades do terceiro setor para o alcance dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro.
10.5.- Ponto de análise
De forma objetiva, e sem excluir as demais espécies de entidades do Terceiro Setor, o presente estudo pretende demonstrar algumas características comuns das Organizações Sociais (OS) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) com o programa de participação nos resultados.
Para tanto, antes se faz necessário tecer breve conceituação de ambas as espécies.
10.6.- OS
As Organizações Sociais encontram sua disciplina legal na Lei 9.637/98, e se qualificam segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como: “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão”. Possuem interesse social e utilidade pública declarada pelo artigo 11 da Lei 9.637/98 e podem atuar nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde.
10.7.- OSCIP
As Organizações d
a Sociedade Civil de Interesse Público estão regradas pela Lei 9.790/99, que, a seu turno, foi regulamentada pelo Decreto 3.100 de 1999. No conceito de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “trata-se de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado como incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico por meio de termo de parceria.”
São criadas por particulares e a qualificação como OSCIP deve ser buscada perante o Ministério da Justiça , com atuação ao menos em uma das seguintes áreas: assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação ou da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo (art. 3º, Lei 9.790)
10.8.- Pontos comuns (OS, OSCIP e PPR)
Releva apontar que as Organizações Sociais (OS) têm controle sobre o resultado, bem como critérios objetivos de avaliação de desempenho, inclusive indicadores de qualidade e produtividade – exatamente como previsto pela Lei 10.101/2000, que prevê a participação nos resultados.
Quanto às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) insta observar que o art. 10º da Lei 9.790 estabelece que o vínculo com o Estado se dá através do termo de parceria, e deve conter cláusulas essenciais, tidas como tais, as que se referem ao objeto do programa; as metas e resultados a serem atingidos e os prazos de execução destas; os critérios de avaliação e desempenho; a previsão de receitas, e o relatório anual, comparando as metas e os resultados alcançados.
Como já visto, os campos de atuação das OS e, especialmente das OSCIP são vastos e, nada mais salutar do que incentivar os empregados destas organizações em relação aos resultados, à produtividade e à qualidade, impondo metas, objetivos e prazos. Parece, vital, pois, o emprego do instrumento de participação nos resultados para os empregados destas, como meio de obtenção do fim social desejado.
10.9.- Ponto a ser enfrentado
O art. 1º, § 1º da Lei 9.790 (OSCIP) é expresso ao qualificar a entidade sem fins lucrativos, assim considerada aquela que:
“não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.”
Deve-se avaliar, pois, se o art. 1º, § 1º da Lei 9.790, veda ou não a participação nos resultados operacionais. Veja-se que a lei em estudo fala em “excedentes operacionais” e veda participações.
A princípio, não há “excedente operacional” na distribuição de resultados operacionais, para o atingimento de metas – entendidas como tais as mínimas necessárias para que a OSCIP atinja os fins sociais à que se destina. Trata-se de ferramenta gerencial, meio para consecução de objetivos. Todavia, em outro estudo será necessário avaliar o alcance da vedação à distribuição de participações. A questão a ser apreciada é, se o legislador tratou de incluir essa vedação com o escopo de contemplar todas as hipóteses de distribuição financeira de resultados, ou se, de fato, a ideia gravitava em torno da proibição de distribuição até mesmo de resultados operacionais.
Para tanto, observa-se que não há vedação de igual natureza para as Organizações Sociais, que muito se assemelham às OSCIP. Tanto as Organizações Sociais, quanto as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público visam a outorga do título de utilidade pública, a partir do que, passam a receber algum auxílio do Estado na sua área de atuação. Porém, exige-se requisitos mais rígidos e melhor estrutura para obtenção da qualificação de entidade de interesse público.
E, se, de fato há essa proibição, cabe a análise se tal vedação tem ou não amparo constitucional, na medida em que estaria se fazendo a distinção onde, a princípio, a Norma Constitucional não faria – podendo ocorrer violação aos princípios tratados ao longo do presente estudo.
11- FUNCEF
Como paradigma em situação analógica, veja-se o exemplo da FUNCEF (Fundação dos Economiciários Federais), que propõe que o pagamento variável da participação nos resultados seja feito através dos valores destinados ao custeio administrativo, que “é composto de parcela da contribuição da patrocinadora e dos participantes e destinado à cobertura de despesas correntes da fundação como salários, aluguéis, sistemas de informática, material de escritório, advogados, consultorias etc,” e que justifica o programa aduzindo que:
“a lei vale para todos os trabalhadores brasileiros, uma vez que todas as empresas podem apresentar lucros e/ou resultados. Os empregados da CAIXA têm direito a participação nos lucros da empresa na modalidade Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Assim, os empregados da FUNCEF podem receber abono ou remuneração variável, a título de participação nos resultados mediante acordo celebrado com seus empregadores. A Fundação é uma entidade privada sem fins lucrativos e seus trabalhadores estão sujeitos aos mesmo direitos e deveres que os demais.”
12 REFLEXÃO FINAL
O Terceiro Setor é imprescindível para o alcance de uma sociedade onde se almeja a minimização dos níveis de miserabilidade e a diminuição das desigualdades, com o escopo de cumprir com os objetivos declarados no preâmbulo da Constituição Federal, na instituição de “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social…”
Assim, aparentemente, a instituição de programas de participação nos resultados para os empregados das entidades do Terceiro Setor, viria de encontro aos objetivos pelos quais estas foram criadas e, atenderiam plenamente aos anseios da sociedade, na medida em que, em tese, teria o condão de propiciar melhor qualidade, produtividade e resultados atingidos pelas organizações que atuam no vazio do Estado.
Nesse diapasão, o que se pretende com esse artigo é fomentar um debate jurídico e social sobre a possibilidade de implementação de programas de participação nos resultados para os empregados das entidades do Terceiros Setor.
Trata-se de um direito social, do qual o trabalhador das entidades sem fins lucrativos não pode ser alijado.
De antemão, sabe-se que será enfrentada forte oposição quanto ao ora proposto, porém, o objetivo é aliar-se aos opositores, a fim de construir junto com estes uma doutrina eficaz a validar o constitucional direito à participação nos resultados para os empregados das entidades do Terceiro Setor.
SUMÁRIO
1 OBJETO 2
2 NORMA CONSTITUCIONAL 2
3 LEI 10.10
1/2000 3
4 EXCLUSÃO DAS ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS 3
5 DISTINÇÃO ENTRE LUCRO E RESULTADO 4
6 PROGRAMA DE METAS 5
7 ENGAJAMENTO DOS TRABALHADORES 5
8 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.101 3
9 PLANO INFRACONSTITUCIONAL____________________________________6
10 TERCEIRO SETOR 11
11 FUNCEF________________________________________________________16
12 REFLEXÃO FINAL 17
13 BIBLIOGRAFIA__________________________________________________18
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